(Manuel Dantas e eu - com seu famoso bastão para caminhadas pelo mato)
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Seu Manuel Dantas teve uma presença afetiva e efetiva em minha família. Era um grande contador de causo, inteligente, criativo e habilidoso em suas invencionices.
Logo que meus pais chegaram da França, no final dos anos 40, tiveram que se aclimatar por entre aquelas pessoas rústicas, de fala arrastada e de famílias numerosas. Aliás, tudo era muito diferente daquilo que eles sempre haviam vivido até então, mas nada se comparava à cruel realidade da guerra. Estranharam costumes, clima, alimentação, jeito de viver. Mas fartaram-se de paz, de alegria e daquele aconchego amigo e amistoso que encontraram no sertão.
Seu Manuel Dantas era um desses amigos que se mantiveram próximos e fiéis até o fim de seus dias. Mais que ninguém, conhecia a Serra Verde em toda sua extensão, além de identificar os inúmeros moradores do lugar. Conhecia também os limites da fazenda com os 5 municípios vizinhos, as questões de terra, enfim, tudo o que envolvia política e geograficamente o terreno.
Diante disto, tornou-se fiscal. Com sua simpatia e dedicação também conseguiu estreitar os laços de amizade com meus pais (e os Boris) e os convidou para serem os padrinhos de Tixixa (Francisca) que nasceu três dias depois de mim. Tornaram-se, pois, compadres. Compadre Manuel, virou pra mim, ainda bem pequena, o “papai Noel”, pelo menos era isso que eu “ouvia” dos meus pais, levando-me a adaptar o título ao meu linguajar infantil. Embora adotasse essa denominação, estranhava o fato de aquele “papai Noel” ser tão magro e imberbe, bem diferente das imagens que me apresentavam de um velhinho barbudo e rechonchudo. Creio, porém, que a imaginação consegue fazer essa fusão de personagens na mente infantil, ou quem sabe, esse tenha sido meu primeiro impulso de inspiração criativa em tão tenra idade...
Embora seu Manuel fosse muito afável com todos, em casa era um pai muito autoritário que não deixava suas filhas aprenderem a ler nem escrever para não terem como mandar bilhetes aos possíveis namorados. Quanto aos filhos, não lhes dava roupas novas. As que usavam eram heranças das roupas do pai: roupas surradas, rotas, remendadas. Com isso acreditava que não teriam a possibilidade de arranjarem namoradas por estarem sempre maltrapilhos. Assim, conforme seus pensamentos, continuariam por mais tempo em sua companhia, produzindo o sustento da casa com seu trabalho braçal na roça.
Há muito o que falar sobre seu Manuel. Era um homem versátil que soube aproveitar suas habilidades. Quando meu avô Georges Bloc veio da França, bem no início dos anos 50, após um período de imersão na vida citadina em Fortaleza, também chegou a vez de morar na Serra Verde, junto a nós na casa-sede. Seu Manuel, apesar de não saber nada de Francês, logo se tornou amigo de meu avô. Ambos tinham algumas coisas em comum: o gosto pela caça e pela pesca.
Juntos entravam açude a dentro numa canoa e pescavam e/ou caçavam marrecos e galinhas d’água com uma espingarda de dois canos (de cartucho). Não sei bem como se dava a conversa e a comunicação entre os dois, pois Papy Georges nunca falou bem o Português, mas acabavam se entendendo. “Manuell, peguei um grosso”, dizia meu avô quando conseguia pescar uma traíra ou alguma curimatã. Nos dias de caça, lá se iam para o meio do açude e lá, de dentro da canoa, meu avô fazia mira em suas caças voadoras, pois era assim que as abatia – no vôo!
Em 1954, Georges Bloc estava passando uma temporada em Fortaleza, quando descobriu que fora acometido de câncer. Aos poucos começou a definhar e sentir as dores atrozes da doença. Teimoso, não queria se deixar cuidar por enfermeiras, nem tinha a paciência necessária para ser cuidado pela família. Estava muito irritadiço, o que era natural. Foi então que mandaram buscar Manuel Dantas para cuidar do amigo, o velho Georges. Tinham sido companheiros, tinham afinidades e isso foi determinante na escolha. E assim, foi seu Manuel que cuidou do meu avô até seu último suspiro. Aplicava-lhe injeções, fazia-lhe os asseios e só a ele era permitido esse acesso. Era de uma dedicação ímpar. De uma serenidade singular, aquela que só os grandes sabem ter em sua sabedoria.
Conta-se que antes de seu Manuel retornar à Serra Verde, depois dessa batalha inglória, teria sido dele a expressão ao ver o mar pela primeira vez: “Eita, esse açude dos Boris não tem fim!”.
Texto por Claude Bloc
Diante disto, tornou-se fiscal. Com sua simpatia e dedicação também conseguiu estreitar os laços de amizade com meus pais (e os Boris) e os convidou para serem os padrinhos de Tixixa (Francisca) que nasceu três dias depois de mim. Tornaram-se, pois, compadres. Compadre Manuel, virou pra mim, ainda bem pequena, o “papai Noel”, pelo menos era isso que eu “ouvia” dos meus pais, levando-me a adaptar o título ao meu linguajar infantil. Embora adotasse essa denominação, estranhava o fato de aquele “papai Noel” ser tão magro e imberbe, bem diferente das imagens que me apresentavam de um velhinho barbudo e rechonchudo. Creio, porém, que a imaginação consegue fazer essa fusão de personagens na mente infantil, ou quem sabe, esse tenha sido meu primeiro impulso de inspiração criativa em tão tenra idade...
Embora seu Manuel fosse muito afável com todos, em casa era um pai muito autoritário que não deixava suas filhas aprenderem a ler nem escrever para não terem como mandar bilhetes aos possíveis namorados. Quanto aos filhos, não lhes dava roupas novas. As que usavam eram heranças das roupas do pai: roupas surradas, rotas, remendadas. Com isso acreditava que não teriam a possibilidade de arranjarem namoradas por estarem sempre maltrapilhos. Assim, conforme seus pensamentos, continuariam por mais tempo em sua companhia, produzindo o sustento da casa com seu trabalho braçal na roça.
Há muito o que falar sobre seu Manuel. Era um homem versátil que soube aproveitar suas habilidades. Quando meu avô Georges Bloc veio da França, bem no início dos anos 50, após um período de imersão na vida citadina em Fortaleza, também chegou a vez de morar na Serra Verde, junto a nós na casa-sede. Seu Manuel, apesar de não saber nada de Francês, logo se tornou amigo de meu avô. Ambos tinham algumas coisas em comum: o gosto pela caça e pela pesca.
Juntos entravam açude a dentro numa canoa e pescavam e/ou caçavam marrecos e galinhas d’água com uma espingarda de dois canos (de cartucho). Não sei bem como se dava a conversa e a comunicação entre os dois, pois Papy Georges nunca falou bem o Português, mas acabavam se entendendo. “Manuell, peguei um grosso”, dizia meu avô quando conseguia pescar uma traíra ou alguma curimatã. Nos dias de caça, lá se iam para o meio do açude e lá, de dentro da canoa, meu avô fazia mira em suas caças voadoras, pois era assim que as abatia – no vôo!
Em 1954, Georges Bloc estava passando uma temporada em Fortaleza, quando descobriu que fora acometido de câncer. Aos poucos começou a definhar e sentir as dores atrozes da doença. Teimoso, não queria se deixar cuidar por enfermeiras, nem tinha a paciência necessária para ser cuidado pela família. Estava muito irritadiço, o que era natural. Foi então que mandaram buscar Manuel Dantas para cuidar do amigo, o velho Georges. Tinham sido companheiros, tinham afinidades e isso foi determinante na escolha. E assim, foi seu Manuel que cuidou do meu avô até seu último suspiro. Aplicava-lhe injeções, fazia-lhe os asseios e só a ele era permitido esse acesso. Era de uma dedicação ímpar. De uma serenidade singular, aquela que só os grandes sabem ter em sua sabedoria.
Conta-se que antes de seu Manuel retornar à Serra Verde, depois dessa batalha inglória, teria sido dele a expressão ao ver o mar pela primeira vez: “Eita, esse açude dos Boris não tem fim!”.
Texto por Claude Bloc
Foto (escaneada) - anos 80
2 comentários:
Claude,
Me envolvi em lembranças do Sr. Manoel Dantas. Figura ímpar nas férias da Serra Verde.
Lembro-me dele contando seus causos e com uma atitude que lhe era peculiar. Nunca aceitava uma cadeira nas rodas de prosa e se chegava já ia ficando decóroras.
Lembra ?
Eita que esse açude dos Boris não tem fim !
Palavras que enchiam de alegria uma alma em despedidas...
Beijos
Era meu lugar preferido para passar o período de férias, a casa do Sr. Manoel, na Serra Verde propriamente dita, já que na parte da Fazenda que tinha a casa sede era chamada de França Livre.
Era comum os moradores dizerem: Vou prá França.
Completando, Edilma a posição do Sr. Manel Dantas, além de conseguir ficar por muito tempo de cócoras, ficava esfregando o dedo na palma da mão para tirar o óleo do fumo de rolo que ele também fazia. Mas contrariando o velho, ensinei aos filhos; Manoel e Luis, levando meus livros para eles. Falar do Sr. Manoel é necessário muitas página. Parabéns Claude por esta homenagem e seu poder de síntese
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