Criança é um serzinho que acorda, faz o desjejum com os olhos remelados e á força. Vai para a escola ainda sonolenta por não ter ido dormir cedo e, no carro com os pais, reclama da vida que tem. Lá, estuda brincando, lancha e recreia; volta para o almoço e dana-se até que a mãe o chame para o dever de casa, volta a danar-se, lancha, brinca, janta e finalmente dorme após o leite achocolatado.
Todas as crianças deveriam ter essa rotina, mas não é bem assim: observamos, com muito pesar, outras que mal dormem por que não há um colchão, uma rede, um cantinho que seja, ou porque o barulho do estômago as acorda. Acordam, procuram o que comer, não acham e partem a pé para a escola, de olhos na merenda do Ministério da Educação. Às vezes não tem, porque a roubaram. Voltam para casa com cérebro e os intestinos vazios. Lá a mãe já fizera das tripas coração e salgara com lagrimas a primeira refeição de seus filhos. Não vale repetir. Ordena-lhes para irem logo até a padaria da moda e lá ficam, a tarde inteira, todos os dias, - muitas vezes postas a correr-, fazendo-se notar e suplicando: “ei, senhor, se sobrar uma moeda, você me dá”?
Às vezes cai em suas mãos uma moeda, ou pão, ou não. Depende do nosso humor, da indiferença ou da nossa indignação. Mas achamos que criança – não o menor – não tem culpa de nada. Essas das quais lembramos não nos abordam com canivete ou caco de vidro. Passei a não ficar indiferente ao chamado da consciência de minha infância bem cuidada e resolvi então doar-lhe um pão por dia, trezentos e sessenta e cinco por ano. Já está no orçamento. Moeda não, pois pode parecer esmola ou estimular a malandragem ou a mendicância. O pão é gesto de amizade, de divisão, de comunhão. Vamos todos nessa?
Nada de não ou cara feia, só a certeza de que uma atitude, mesmo mínima, alivia um sofrimento e escancara um sorriso, mesmo naqueles sem os incisivos centrais superiores, típicos dos seis aninhos
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