APRESENTAÇÃO
DO LIVRO "EU SOU O CEGO ADERALDO"
ED. MALTESE, 1994
É como ele se assina: Cego Aderaldo. Creio até que registrou a marca, pois é como “Cego Aderaldo” que o povo o conhece e ama.
O último dos grandes cantadores – hoje já não se conhecem cantadores como ele foi e como ele é. Ou se os há de inspiração idêntica, as novas gerações, distraídas com a música comercializada do rádio, com os cantores enlatados, já não os idêntica, as novas gerações, distraídas com a música comercializada do rádio, com os cantores enlatados, já não os identificam nem lhes conferem esse halo de glória que nimbava os famosos cantadores do passado.
Hoje, o prestígio da profissão de cantar improvisado, á rebeca ou á viola, e cantar e, desafio, vai diminuindo, em vias de desaparecer. Só maldo como causa a música dos rádios, que, através dos transistores, chega até aos lugares mais escondidos do sertão.
Onde nunca chegou trem, ou ainda não chegou automóvel nem avião, o rádio já chega. E fica, e grita, e enerva. E porque não tem mais esperança de fama, os moços de inspiração não se dedicam a cantar, não estimulam a veia poética nem se apuram na escola dos desafios.
Nessa decadência geral do oficio de cantador, cego Aderaldo mantém, contudo, o seu prestígio intacto. O povo o adora, o cerca e o festeja onde quer que ele vá. Quando chega a uma fazenda, venha embora o cego sozinho com seu guia, é como se com ele houvesse começado a novena, os foguetes e o leilão.
Aderaldo sentar-se e começa a cantar e até comove ver como a gente o cerca, e ri com ele, e lhe bebe as palavras.
Não aplaudem porque sertanejo não está habituado aplaudir: o artista tem que pressentir, no silencio emocionado que se segue ao se trabalho, o grau de aprovação que suscitou.
Aderaldo é hoje um velho de mais de oitenta anos, espigados, rijo, fala sonora de homem habituado a dominar auditórios.
Tem o riso muito fácil – é um cego alegre. Seu repertório, porque os cantadores não apenas improvisam, mas também cantam versos de lavra alheia, especialmente os da musa popular - seu repertório, com poucas exceções, é bem humorado, quase humorístico.
Isso se verá, aliás, nas páginas adiante, onde o Cego Aderaldo conta a sua vida e dá uma mostra de sua poesia.
Sei que é muito difícil por num caderno de lembranças essa coisa ilusiva e perecível que é a arte de um cantador.
A palavra impressa, coisa de medida, de premeditação e efeito calculado, não conseguirá transmitir ao leitor o impacto produzido pela ação de presença, pela mágica do improviso, pela música do acompanhamento, pelo embalo da cantoria; mas ao menos registrar um pouco, para não perder tudo.
Pelo menos isso – memória da vida, fragmentos de desafios e romances – nos guardado de tudo que ele espalhou por aí em mais de sessenta anos de cantoria. É um documento da sua passagem, uma referencia para futuros estudiosos, e uma pre texto de aproximação e reconhecimento para o povo que o ama e que, quando um dia o perder, gostará de conservar ao menos uma parte dos tesouros lançados ao vento dos desafios, aos pequenos auditórios longínquos e memória, ao caso, das peregrinações do violeiro e cantor.
CONTRACAPA DO LIVRO
EU SOU O CEGO ADERALDO
ED. MALTESE, 1994
Aderaldo Ferreira de Araújo é uma legenda de cantoria nordestina. Cego, tradição de um Homero ou de um Tirésias, cumpriria o destino traçado pelos deuses de ser privado da visão para ser apenas voz. Mas que conheceu a luz e a cor até aos 18 anos.
É a permanência da oralidade que está em foco.
Seu cantar flui, interminável, como uma litania sertaneja.
Ele está sempre apto para a peleja. Maneja voz e viola como armas, com uma destreza de mestre.
O sertão inteiro repete, ainda, de cor, o seu improviso e sabe histórias de repentes com a marca do gênio.
Os grandes nomes da cantoria cantam com ele. Até mesmo pegas que nunca existiram ganharam transmissão oral ou foram transcritos para folhetos de cordel.
Um cego andarilho, que não vendia histórias, papel reservado a eles na tradição européia, mas que ganhava a vida como um “performer” medieval.
O importante não era apenas o que ele dizia, mas como dizia, a eloqüência da voz, ao artifícios da retórica, a verve de quem sempre tinha um argumento a mais para exibir no ultimo instante e fazer calar o rival.
O Cego Aderaldo foi o maior jogral que o Nordeste já teve. E este livro é um esforço de registrar o que se perderia no eco das palavras ou que se transformaria em sementes na recriação deste canto que é de homem e ao mesmo tempo de todas as vozes sertanejas. Um livro para ser lido em voz alta.
Nos mercados, nos patamares das igrejas em tempo de festas, nos terreiros das fazendas, ainda se faz ouvir o tom plangente de sua viola e o matraquear de sua poética.
Aderaldo está cada vez mais vivo no coração e na lembrança de todos os que sabem puxar os fios e tecer essa histórias feita de mil-e-uma noites de rimas, ritmo e agilidade. É um saber tradicional que se cristaliza e se torna monumento feito de palavras e sons.
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