Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Por dentro ... - José do Vale Pinheiro Feitosa


Que dor é esta? É dor doída e nunca fica roncha.

Ocupa toda pessoa e não está em lugar nenhum.

É dor que vara dum lado a outro do peito e não aparece buraco algum.

Num tem meizinha, reza de rezadeira, colher de açucareiro, é dor que queima feito mel fervente no tacho.

Dor de esquina, é como inteiro apartado, é um pedaço que falta onde nunca se deu conta.

É dor cheia, ocupa todos os limites do continente.Mas, também é dor de vazio, as águas de um riacho seco.

Dor de espírito buliçoso, nenhum canto é suficiente para lá se encontrar.

Parece mesmo é raspa de juá, faz espuma, clareia os dentes, para depois mascar fumo.

Dor de arribaçã, voando para pousar bem em frente da espera do caçador.

Dor de trânsito engarrafado: pára onde era para andar, anda onde era para dobrar.

E com tudo isso dito, continua esta dor sem explicação.

Quando a vi pela primeira vez, senti uma dor cá dentro de mim.

Apalpei-me e a dor não estava no corpo. Fixei meus olhos em busca daqueles e a dor era ela.

Uma dor de urgência.

Que o fluxo do tempo não se desse sem que me ouvisse sobre a agonia que a sua existência em mim causava.

Era linda? Mais ainda. Era luz? Cegava sem a perda da visão dela.

E o chão parecia uma onda gigante, na Praça da Sé, girando com todos os sanfoneiros e

zambumbeiros dos sertões, num samba zombeteiro da emergência sem socorro.

E uma palavra poderia aplacar aquela dor sem solução, mas tudo em volta se movia como

roubando toda a energia do ambiente.

Especialmente daquele estado acelerado, quando a dor é uma sentença da plenitude do aqui e agora.

E das minhas cordas vocais grunhidos saíram, grunhidos roucos, abafados, fugidios, em cascata, fazendo um turbilhonamento nas palavras.

Ela franziu o cenho em primeira mão.

Minha agonia acelerou ainda mais as sílabas, que saltavam em torno dela como a metralha de projéteis de plumas de algodão, com caroço e tudo.

Tenho a impressão que terminaria aquele ato transformado num saco vazio se não percebesse a tempo uma leve vírgula de botão de rosa pelo canto direito de sua boca.

Acho que a breve história daquele átimo de tempo me salvou quando já estava a ponto de me levar por aquela dor.

Depois o outro canto da boca se fez um roseiral. Os olhos me receberam com uma aceitação que jamais imaginei merecer.

Nunca imaginei que fosse possível ver as abas do nariz se afastarem e abrir um riso franco de satisfação.

Estava como ganhador da loteria numa chance em milhões. E daquela riqueza toda o mundo me fez milionário.

Deu-me muito mais que jamais ousei lutar. E sigo assim....com esta dor que não sei o quê é.

Uma dor de urgência. Que nunca se acaba.Ainda mais se a causa não está.



Por José do Vale Pinheiro Feitosa

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