Esse espaço virtual aproximou as pessoas, a instantaneidade do contato é fabulosa. Agora mesmo nesse instante se o desejar tenho a imagem do meu filho lá no Canadá na tela do computador e posso ver e falar com ele.
Por outro lado, o uso da Internet ganhou uma dimensão muito grande e pode também se transformar no instrumento de separação das pessoas. Lembro-me que quando trabalhei no Ministério da Saúde em Brasília muitos passaram a se comunicar pelo computador mesmo estando no mesmo recinto. Achava aquilo o fim da picada. Era e-mail pra cá, e-mail para lá e ninguem se falava, até que resolvi dar um basta naquilo. Coordenava dois projetos de modernização de Hospitais no Brasil e passei simplesmente a desconhecer a comunicação de minha equipe feita pelo computador. Um dia, como eles não tinham respostas aos seus e-mail fui indagado por uma das colegas: - Mourão a sua intranet está com problema? - Não! - E por que você não responde aos nossos e-mail?- E-mail de vocês? Aqui da sala?! Se vamos ficar trocando e-mail aqui na sala quando é que vamos falar sobre o nosso trabalho?
Ficaram se olhando uns para os outros, como a dizer, esse cara é louco...
Anos mais tarde, li um artigo que abordava essa questão e fiquei reconfortado pela atitude que tomei lá no Ministério. O artigo chama-se "Encontro, identidade e diferença", da filosofa Márcia Tiburi, publicado no livro Filosofia em comum, página 160 que eu aqui reproduzo no Cariricaturas.
Marcelo Mourão
Encontro, Identidade e diferença. Por Márcia Tiburi.
Hoje, com o advento da Internet e com o aspecto interativo do hipertexto, a filosofia pode realizar uma conjugação rápida entre seus aspectos principais: a elaboração do texto que carrega pensamentos e a construção do debate público por meio do encontro. A construção de chats, fóruns e blogs em que a discussão sobre todo e qualquer tema se apresenta de modo refletido, demonstra tanto a democratização do saber e da dúvida quanto a coragem de conhecer que lhe é imanente, facilitada pela técnica neste momento específico de sua evolução. A democratização diz respeito a uma abertura de gestos que escapam do controle das instituições e dos poderes estabelecidos. Democracia é ruptura com a denominação. A filosofia é, ela mesma, uma atividade democrática: a partilha do saber e, para dizer uma palavra que devemos gravar: encontro.
Todavia, é imprescindível que o promissor avanço da Internet como tecnologia de aproximação e encontro seja sempre visto de um lugar crítico. A Internet, com toda a promessa de relação que nos anuncia, pode nos enganar. O encontro no espaço virtual não substitui nem supera o encontro concreto, ainda que elimine distâncias, não elimina todas as existentes.
A maior verdade que a Internet põe em cena é a de que toda relação envolve também ausência. Ou seja, toda ligação também se situa a partir de seu impedimento. Só existe relação entre pessoas justamente porque a relação não esta dada, todo encontro envolve movimento de um em direção ao outro ou para que uma ponte se construa entre eles.
A construção da distância é algo que precisamos compreender. A distância é o nome próprio da separação, ou seja, da não-relação. Para pensar é preciso entender as relações entre as coisas, mas também a ausência de relação que preside, e mesmo possibilita, as relações. A aproximação é o primeiro momento da relação. Não há relação sem aproximação, nem distância sem separação. Mas, ao mesmo tempo, tudo isso se confunde. A essa “confusão elucidativa” chamamos de dialética: dia-legéin: troca de razões de pensamentos, de linguagem, mas também pensar individualmente levando em conta o que se sabe a partir de outro e a própria ignorância. A relação é a dialética entre aproximação e separação, não é absoluta identidade, nem absoluta diferença – se quisermos usar termos com os quais nos habituamos a pensar a filosofia.
A identidade implica a possibilidade de chegar muito perto das coisas: o sonho de tocar nas coisas que existem com os conceitos e as palavras que o revestem. O único modo de compreender a identidade é levando em conta a diferença, pois esta controla o impulso da identidade de ser absoluta. A distância pode ser interpretada como aquele vão que há entre as palavras e as coisas, entre os pensamentos e a realidade. Tal “vão” é um oco, um buraco, um abismo, sem o qual não compreenderíamos a particularidade das coisas, por isso ela é gnosiologicamente – ou seja, do ponto de vista do conhecimento – necessário. Necessário não porque precisamos dele ou o desejamos, mas porque ele está sempre ali, como algo inexorável. Sem ele, sem esta distância assim declarada, não somos capazes de estabelecer nenhum conhecimento. O conhecimento não é nunca chapado, fechado, plano. Isso deve nos fazer pensar que o conhecimento nasce sempre, obviamente, de sua falta.
Sem identidade que é reproduzida nas conexões entre as coisas, não haveria conhecimento. O pensamento é o que produziu a conexão, é o que leva ao conhecimento. A identidade providencia a possibilidade de falar das coisas: com ela podemos fazer conexões e estabelecer conjuntos, somas, totalidades. Mas a identidade é sempre secundária, ela se sobrepõe às particularidades. Entre as particularidades existe um abismo, o oco fundamental que impede o fechamento de sistemas do saber. A separação e a distância, assim como a aproximação e a identidade, são categorias também éticas, pois garantem a significação da relação entre seres humanos, que é o que se precisa conhecer para entender as ações.
3 comentários:
Marcelo,
Tenho acompanhado com muito prazer as suas postagens !
Grande abraço.
Oi "Help"!
Gostei outro dia quando você se assinou Help!
Obrigado, um grande abraço.
Marcelo
Gostei do tema e da exposição de opiniões... A internet é boa quando proporciona o encontro, o retorno às pessoas de quem nos distanciamos por seguir a vida e suas metas...
Aqui no Cariricaturas temos essa propriedade de congregar.
Abraço pela presença.
Claude
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