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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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quarta-feira, 9 de junho de 2010

A “magia” do futebol – Por: José Nilton Mariano Saraiva

Sob um mesmo teto, dentro de um mesmo evento, só que em duas frentes distintas, acontece a “magia” do futebol: coletivamente, nas arquibancadas das arenas da vida, através do outrora impensável e democrático congraçamento dos mais distintos e díspares atores sociais (do médico ao engraxate, do biscateiro ao industrial, da empregada doméstica à deslumbrada socialite, e outros tantos) que, deixando de lado temporariamente suas idiossincrasias, problemas, soberbas e frustrações, em uníssono e irmanados põem-se a roer unhas, vibrar com o desempenho do time do coração, vaiar, aplaudir, premiar a senhora mãe do árbitro com adjetivos os mais “carinhosos”, deglutirem o mesmo anti-higiênico e gostosíssimo “cai-duro” ou mesmo a macaxeira cozida, preparados ali mesmo, na hora, sem importar-se de que venham acompanhados daquele maravilhoso suco repleto de coliformes fecais, antes de, e até que enfim – momento supremo e apoteótico – se enroscarem na comemoração do gol tão esperado; ali, não tem essa de seletividade, de um ser maior que o outro, de alguém se afirmar e se impor em razão de ostentar um anel de “doutor” ou um vistoso cordão de ouro no pescoço; não, ali não tem essa de autoridade, de excelência, de rei do gado; a “magia” dos futebol os faz, mesmo que momentaneamente, iguais, unos, irmãos, complementares, até. Ou, como diria Nelson Rodrigues, um dos nossos grandes dramaturgos e apaixonado por futebol: “todos os torcedores de futebol se parecem entre si como soldadinhos de chumbo; têm o mesmo comportamento e xingam com a mesma exuberância e os mesmos nomes feios, os juizes, os bandeirinhas, os adversários e os jogadores do próprio time” (pelo menos até a saída do estádio, acrescentaríamos).
Já lá embaixo, entre as quatro linhas do “tapete verde” de um Maracanã ou Castelão da vida, ou mesmo no campo de terra batida dos tímidos “estádios” interioranos, a “magia” do futebol se nos apresenta solo, individualizada, personalista, de um só e único dono: o craque, o fora-de-série, aquele que faz a diferença, que desequilibra, magnetiza e é capaz de, numa fração de segundo, deixar o adversário esparramado de quatro no chão, após um drible desmoralizante, ou aplicar-lhe um “banho-de-cuia” magistral, deixando-o a ver navios, antes de aninhar a bola no fundo da rede.
E ninguém mais emblemático para representar tão esfuziante personagem que o nosso saudoso Mané Garrincha, titular absoluto do time do Botafogo e na seleção brasileira em duas Copas do Mundo; recorramos, novamente, ao que escreveu Nelson Rodrigues, ao final da batalha decisiva da Copa do Mundo de 1962, Brasil 3 x 1 Tcheco-Eslováquia, realizada no Chile, quando nos sagramos bicampeões: “Amigos, a bola foi atirada no fogo como uma Joana D’Arc. Garrincha apanha e dispara. Já em plena corrida vai driblando o inimigo. São cortes límpidos, exatos, fatais. E, de repente, estaca. Soa o riso da multidão - riso aberto, escancarado, quase ginecológico. Há, de novo, em torno de Mané, um batalhão de tchecos. Novamente, ele começa a cortar um, outro, mais outro. Iluminado de molecagem, Garrincha tem nos pés uma bola encantada, ou melhor, uma bola amestrada. O adversário pára também. O Mané, com quarenta graus de febre, prende ainda o couro. A partida está no fim. O juiz russo espia o relógio. E o Brasil não precisa vencer um vencido. A Tcheco-Eslováquia está derrotada, de alto a baixo, da cabeça aos sapatos. Mas Garrincha levou até a última gota o seu olé solitário e formidável. Para o adversário, pior e mais humilhante que a derrota, é a batalha desigual de um só contra onze.. A derrota deixa de ser sóbria, severa, dura como um claustro. Garrincha ateava gargalhada por todo o estádio. E, então, os tchecos não perseguiam mais a bola. Na sua desesperadora impotência, estão quietos, imóveis. Tão imóveis que pareciam empalhados. Garrincha também não se mexe. É de arrepiar a cena. De um lado, uns quatro ou cinco europeus, de pele rósea como nádega de anjo; do outro lado, feio e torto, o nosso Mané. Por fim, o marcador do brasileiro, como única reação, põe as mãos nos quadris como uma briosa lavadeira. O jogo acabava ali. Garrincha arrasara a Tcheco-Eslováquia, não deixando pedra sobre pedra. Se aparecesse, na hora, um grande poeta, havia de se arremessar, gritando: "o homem só é verdadeiramente homem quando brinca". E não houve, em toda a Copa, um momento tão lírico e tão doce. Aqueles quatro ou cinco tchecos, parados diante de Mané, magnetizados, representavam a Europa. Diante de um valor humano insuspeitado e deslumbrante, a Europa emudecia, com os seus túmulos, as suas torres, os seus claustros, os seus rios. A última jogada de Mané, no adeus aos Andes, foi uma piada linda e plástica. No mais patético das batalhas, a seleção brasileira soube brincar. E esse toque de molecagem brasileira é que deu à vitória uma inconcebível luz”.
Taí, senhores, a essência da “magia” do futebol.

3 comentários:

socorro moreira disse...

MARAVILHA !

Edilma disse...

Primo,

Que texto maravilhoso !
Pena não termos mais o nosso Mané Garrincha...
Fazer o que...
Vamos nós soldadinhos de chumbo !
A hora tá chegando...
Vamos que vamos...
Goollllllllllllll

Bom dia!

Edilma disse...
Este comentário foi removido pelo autor.