Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Babel

A notícia correu mundos. Após a queda do muro de Berlim, abriram-se fronteiras para a percepção de uma realidade bem diferente daquela que os nossos olhos ocidentalizados costumavam ver. Talvez a mais insólita história que presenciamos , depois de alguns anos, tenha sido aquela. Um padre polonês pôde enfim prestar serviços em um Hospício russo. Lá encontrou um compatriota que estava interno como louco, desde o fim da segunda guerra mundial, em meados dos anos quarenta. Sua loucura tinha sido única e exclusivamente falar apenas um dialeto do interior da Polônia, pouco conhecido e, por isso, como não o entendessem, acreditaram tratar-se de um maníaco e o enfiaram naquele frenocômio , por quase cinqüenta anos. Imaginem a angústia do nosso pseudodoido : anos a fio tentando comunicar-se com o mundo e sem encontrar quaisquer canais disponíveis. A sua solidão grávida de gestos vagos e de palavras ocas , por pouco não justificou sua estada naquela casa de horrores. Por fim deu-se o parto, desfeito o mal entendido, depois de quase meio século. Liberdade ainda que tardia !
Quantas e quantas vezes , exemplos iguais não se repetem no nosso dia-a- dia ? Claro que com nuances , temperos e aromas algo diferentes. Quantos artistas não são imolados , criticados e isolados , muitas vezes porque utilizam uma linguagem de vanguarda, como se profeticamente estivessem vivendo num futuro ainda inalcançável ? Falam ainda um idioma estranho , intradutivel para os tempos atuais. Passados anos, eis que a modernidade trará um padre polonês, pronto a libertar nosso louco para o deleite e as primícias dos novos tempos. Foi assim com Van Gogh , com Baudelaire, com Lima Barreto.Apesar de tanto se ter criticado as comunidades indígenas, vivemos ainda em tribos. Não bastassem os acentos regionais, dividimo-nos todos segundo línguas bem específicas. Os advogados, os médicos, os engenheiros e os técnicos em geral têm todos idiomas próprios , insondáveis para quem não compartilhe das suas ocas. Todos, biblicamente, aspirando aos céus, constroem sua Torre de Babel. Os jovens criam uma infinidade de dialetos : dos surfistas, dos góticos, dos skin heads , dos punks e as gírias se sucedem numa vertiginosa velocidade, a todo tempo mudam o código para que não sejam traduzidos por índios estranhos. Os velhos preservam, também, a sua língua que vai morrendo pouco a pouco, à medida que a tribo vai obedecendo ao chamado de tupã. Em pouco,há apenas um espécime neste mundo, carregando consigo a solidão de uma arara azul, aguardando pacientemente a extinção do seu dialeto, da sua memória, do seu tempo.
No fundo , somos todos um pouco como aquele louco polaco. Nosso idioma pessoal serve quase somente para que nos comuniquemos com o espelho. Ninguém nos entende neste grande hospício que é o mundo. Falamos todos linguajares diferentes, até mesmo quando o idioma é exatamente igual. Se nos entendemos nos substantivos concretos , que relevância tem isso ? A vida reside, em essência ,no abstrato . Quem consegue pôr no dicionário a dor, a angústia, a tristeza, o amor ? Como o soldado polonês, carregamos conosco a esperança de um dia se refazer o entendimento na torre de Babel. Ledo engano! A compreensão só virá, quem sabe, quando por sobre nós cair a única linguagem eterna e universal, idioma dos vales, dos campos , das cavernas e dos sentimentos : o Silêncio.

J. Flávio Vieira

2 comentários:

socorro moreira disse...

Um texto professor do silêncio!
O autor é mestre !

Liduina Belchior disse...

Zé Flávio,

Você como Shoppenhauer pensam iguais:" O silêncio é grito mais alto".Ou de um autor desconhecido:"
"Existe no siLêncio uma sabedoria profunda que ás vezes ela se transforma na mais perfeita resposta".

Liduina.