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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

De Wellington de Melo

“Os vivos, quando voltam do enterro, estão mortos”

por Wellington de Melo



Só esse verso de Miró, só ele, é o suficiente para calar a boca de quem acha que a poesia dele se perde sem a performance. Mas não quero falar de enterros, nem de mortos, nem de vivos. Nem de Miró. Esse verso me levou para outro lado, para outra coisa. É como acontece com os grandes textos, essa epifania de terça-feira. Coincidência ser o Dia de Finados, coincidência. Principalmente em se tratando dessa cidade, que se imagina tão viva. Mas a verdade é outra. A minha, talvez. Ou é tudo mentira. É. E no final das contas o que importa é essa minha viagem, é passear por tudo o que me vem agora.

Estou cansado.

Cansado ao ponto de nem querer explicar por que estou cansado. Cansado ao ponto de querer parar. Tudo. Mas é Marte em Leão que me faz assim. E ser Gêmeos com ascendente em Gêmeos. Façam as contas os astrólogos aí, façam as contas. É uma roda viva, não tem como parar. Ou tem, mas é como perder um braço ou um filho. Ou os dois. Achar que ser medíocre é o normal é o que incomoda. Muito. Mas Marte em Leão é o cão. Vá por mim.

Aí eu insisto, contra tudo e todos, vou-me embora. Porque não posso parar para ouvir lamúria. Não dá. Nem para aguentar ego ferido, língua ferina etc. e tal. Não dá para parar e chorar os mortos. Nem isso, dá pra imaginar? Eu não choro meus mortos desde sempre. Isso não pode estar certo, não pode. Eu talvez sim, possa. Porque tudo pode, até dizer que coluna social é poesia. Até dizer que poesia é o que tem rima. No século vinte e um pode. Tudo. Vale até trocar o nome do escritor, porque o que importa é lançar o livro e sair a nota. Não devia ser assim. Você deve concordar.

É que quando o olho não alcança, ou você pega um binóculo ou vai mais pra frente. Olhar de longe e confundir o nome da praia não dá. Não dá para dizer que o que é novo é assim ou assado sem nem ler. Ou dizer que se escreve para aparecer, porque quando o que acontece é que você não alcança mais, a vista não alcança. Ouvi de um professor uma vez que o crítico precisa ter consciência quando não dá conta de entender certa obra. Aí o problema não é mais a obra, é o grau do binóculo, é o foco.

Mas minha inveja é de Everardo Norões. Queria ser silêncio, assim, feito ele. Mas Marte é foda, Marte é foda. Nem sei por que não chamei este texto de “Marte em Leão”. Mas não quero voltar. Não. Nada. Ser assim, sem volta, também é um quarto escuro. Eu queria o aconchego de virar uma parede apodrecida pela umidade, me dissolver ao toque, com aquelas bolhas de mofo, o reboco fofo que quebra com um cascudo. Everardo Norões tem esse dom do silêncio que tanto faz falta nesse meu tempo, esse dom que invejo. A pena é querer que ele falasse mais, mas aí não seria ele, e talvez ele não tivesse tempo de urdir poesia como urde. Dessa poesia que é macerada em dor e em olhar. Essa poesia mínima, como tudo o que interessa. Inveja, Everardo, inveja.

E ouvi de outro professor, outra vez, que a gente vive em grandes espaços, grandes eventos, grande, grande. Quando o que faz falta são os pequenos espaços, as conversas ao pé do ouvido. O mínimo. Everardo, perdão pela verborragia. Voltemos ao invisível, ao essencial. Não é intertexto. Não.

Estou cansado.

Cansado demais para voltar, cansado demais para ir em frente. É o barato do marasmo. E não é esse o fim de tudo? Quero agora deixar o limo correr, deixar o limo virar a nova bossa, o novo caviar. Porque tudo o que se faz é para virar nada no dia seguinte. Feito o jornal que boto para meu cachorro mijar. Então é só o limo. Que tudo permaneça no limo, que todos o lambam, feito aqueles peixes chupa-pedra, com aquelas bocas enormes. Lamber o limo por todo o sempre. Amém.



Protetorado Soberano da Nova Bulgária, 02 de novembro de 2010.

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