Hoje amanheci o dia na feira. Sem máquina fotográfica, e sem documento. Eu e um balaio. As escolhas, as pechinchas, o café com tapioca, o cheiro de fruta e de gente que madruga.
Adoro feira livre. Já morei em muitas cidades, e nunca abri mão de fazer a minha feira, no dia da feira.
Uma das melhores que eu classifico é a de Campina Grande (foto). Parecida com a de Caruaru (considerada a maior do Nordeste).
Mas o tem de tudo fresquinho e o misturar-se com o produtor, consumidor e atravessador são aulas de sociologia e economia. Além do aspecto pitoresco.
Cuidado primeiro, em não escorregar nas cascas de banana.
Tem que levar o dinheiro trocadinho, gastar pouco, e encher o balaio das coisas da terra. O natural, na cara da gente, e cabendo no nosso bolso.
Esse é o shopping que interessa!
A feira do Crato, no passado, acontecia às segundas-feiras. Abrangia as Ruas Dr. João Pessoa, Senador Pompeu e Santos Dumont, incluindo as transversais, como a Bárbara de Alencar.
Na Senador Pompeu, a tradicional feira da rapadura e do sisal, a gente comprava a corda pra armar nossas redes, a esteira pra sentar e catar o arroz, a cesta, a batida, e a carga de rapadura pra adoçar o café, fazer chouriço e doce de gergelim, o alfenim , e quebrá-la nos dentes, devagarzinho, alternando com queijo, na hora da sobremesa.
Na Rua Dr. João Pessoa a gente comprava o arroz, feijão, a farinha, o açúcar... Tudo pra escolher em sacas e aos pés do freguês. Minha mãe já dizia: arroz tem que ser velho, senão não fica solto; feijão só presta se for novo.
Naquela Rua estava situada as maiores lojas de tecido e sapatarias. De vez em quando, nas quatro festas do ano, incluíam-se na feira uns metros de chita, filó para véus e cortinados, ou cambraia pra vestir a casa e o povo da casa.
Na Santos Dumont a gente comprava o amendoim, a goma fresca, o milho pra fazer canjica, pipoca e mugunzá., além daquelas tranqueirinhas que traziam as novidades, brinquedos e folguedos : panelas de barro, cachimbos, malas, espelhos, bonecas de pano, candeeiros, etc.
Na Bárbara de Alencar a gente morria, na doçura do quebra-queixo, dos brinquedos de celulose, peças de alumínio, enfeites para o cabelo, artigos de toalete como caixa de pó e ruge nas latinhas. Tinham também os frascos de perfume, pentes, linha corrente laranja, óleo Singer para lubrificar as máquinas de costura (indispensáveis em toda casa), batom e esmalte pra todos os gostos.
Quando o dia acabava só se ouvia as vassouradas dos garis, varrendo poeira e sujeira.
De vez em quando, um tilintar de moeda do tostão perdido; uma carta no envelope, vinda do Rio de Janeiro; um bilhete de amor; notinhas de compras escritas no papel de embrulho e amassadas; um lápis sem ponta, uma caneta sem tinta, um lencinho bordado com as iniciais; um retrato 3 x 4 tirado no lambe- lambe da praça ...
Por motivos óbvios, só conheci duas cestas básicas, que na época vigoravam:
A feira das pessoas que trabalhavam na luta doméstica, e a feira da minha casa - proletariado e classe média (média, mesmo!).
Na primeira constava toucinho ,banha de porco, sabão, sal , querosene , feijão de corda, café em grãos, rapadura, farinha, fumo de rolo, arroz e pó de ouro (massa pra fazer cuscuz), um pedaço do corredor do boi, umas tripas de porco , e mocotó. A maioria criava porco e galinha e tinha da sua ninhada o ovo caipira .
Na segunda, constavam outros itens como: frutas e legumes, carne de primeira, arroz, feijão mulatinho, macarrão, açúcar e biscoitos, papel higiênico, sabonete Lever e creme dental Kolynos.
Quase todo alimento era natural: mel de abelha, doce caseiro, manteiga de garrafa, queijo de prensa, coalhada, bolos de goma, e refrescos das frutas. Aí, a mesa era farta. As mulheres eram fadas. Cozinhavam, lavavam e costuravam, além de cuidar dos filhos e maridos. A profissão valorizada era a de professora primária. A maioria não chegava a botar anel no dedo, mas tinha educação de berço.
Não sei como era a vida dos ricaços. Sabia que milionário era quem tinha um milhão de cruzeiros; mil vezes um conto de réis; um milhão de vezes mil réis ( a moeda que eu pegava pra comprar pirulito, balas com ligas , mariolas , passa raiva, cavaco chinês, e chicletes Adams).
Em 1975 fui embora do Crato. Quando retornei, encontrei apenas os mercados de frutas, carnes e verduras.
Agora fazemos feira nos supermercados com carrinhos, e ar condicionado; pagamos com cartão, e abarrotamos despensas com o dispensável: refrigerantes, gelatinas, biscoitos recheados, iogurtes, e todos os tipos de queijos e presuntos, além dos enlatados. Foi-se o tempo do pão de mel e da rapadura! (ou não?)
O texto foi ficando comprido , quando apenas quis rememorar a figura do feirante, o menino das rodilhas, o vendedor de "meizinhas” e os cantadores de viola.
Socorro Moreira
4 comentários:
Socorro Moreira,
Amanhã estarei esperando outro texto como este.
Oh coisa boa danada !
Cadê o livro ? Está esperando o
Que ?
Você já tem sucesso garantido e
leitores enfileirados para a noite de autógrafos.
Manda mais menina do Crato!
Ah, Edilma você é suspeita. Esse dia é no nosso dia a dia.
Já calculou o quanto recebo de vc ?
- Nem precisa !( risos)
Um beijo.
Eita feira boa, Socorro.
Me leva!
Saudades da feira da João Pessoa, toda semana eu ia.
Apois num é que eu também adoro uma feira! E tua memória afetiva guardou bem o retrato de tudo, e, agora, relatou para nós.
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