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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
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"

(Carlos Drummond de Andrade)

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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Admirável Flávia - Por Glória Pinheiro

Conheci Flávia Schilling no início dos anos 80 nos primeiros dias de aulas na PUC-SP.

Estava ela sentada ao meu lado, anônima, quieta, tranqüila, cabelos tipo “jogados ao vento”, simpática, segura, simples e gentil, com os olhos e a mente cheios de vitalidade. Começamos a conversar. Disse que antes estudava medicina. Admirada do salto de um curso a outro, perguntei por que estava a fazer um curso de conteúdo tão diferente. Respondeu que tivera que abandonar o curso que era em outro país e foi há 10 anos atrás. Indaguei qual era o país e ao saber tratar-se do Uruguai, logo me veio à mente o recém assistido filme de Costa-Gavras “Estado de Sítio”, filmado anos antes mas só então liberado no Brasil pela censura. Falou-me que realmente o filme tratava de um tema polêmico e foi aí quando lembrei da campanha para a liberdade de Flávia, da chegada dela ao Brasil.

Apesar de ter assistido de perto a campanha para libertação de Flávia e lembrar do reforço que esta campanha propiciou no processo da Anistia no Brasil, até então não me dera conta com quem estava conversando a não ser quando ela com um sorriso no rosto me disse:

- “Eu sou a própria”.

Recordo-me daquele agradável convívio de um ano, pois mudei de sala e de prédio, com uma pessoa desprendida, de imenso conteúdo intelectual, doce e terna, apesar de todo sofrimento porque passara. A prova do seu martírio e exílio, involuntários, de sete anos e meio nos porões da ditadura uruguaia estava ali estampada em seu corpo, trazia no pescoço marca terrível das torturas a que foi submetida.



"Flávia Schilling, tinha 10 anos quando chegou ao Uruguai acompanhando seu pai, Paulo Schilling, que foi exilado do Brasil pelos militares que comandaram o golpe de 31 de março de 1964. Aos 18 anos, em 24 de novembro de 1972, a adolescente de Santa Cruz do Sul, foi presa em Montevidéu acusada de militância clandestina no grupo político tupamaros.

Neste momento a ditadura ainda não havia se instalado oficialmente no Uruguai, onde teve início apenas em julho do ano seguinte, 1973. Mas um mês antes, em junho de 1973, foi retirada do presídio de Punta Rieles e levada para sucessivos quartéis, por mais de três anos quando viveu em regime de calabouço, incomunicabilidade total, humilhações e castigos corporais.

Oito anos depois, foi libertada em 14 de abril de 1980, depois de uma campanha nacional que atingiu grande visibilidade. Formada em Pedagogia pela PUC de São Paulo (em 1986) Flávia fez mestrado em Educação pela Universidade de Campinas, em 1991, e doutorou-se em Sociologia também pela USP, onde trabalha como professora da Faculdade de Educação. Autora dos livros “Querida Liberdade” e “Querida Família” que retratam seu tempo de prisão, Flávia tem uma produção consistente e volumosa de artigos e publicações acadêmicas. Tornou-se referência nas áreas onde atua."

3 comentários:

socorro moreira disse...

Parabéns, Glória !

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Glória faz um texto importante para todos, especialmente para as novas gerações. Já vamos para mais de 25 anos do fim da ditadura e pessoas desta idade ou menos não têm noção do que ela foi. Recordemos que a história ensina, mas o distanciamento da vivência é um grande fator de esquecimento.

Outro dado que o texto revela: as pessoas são ao mesmo tempo sujeitas a dimensões que a limitam, mas simultaneamente não têm limites. Estamos falando de um ser vivo que tem inteira liberdade, até de cessar a própria vida. Esta história ao encontrar uma mulher leve, com os cabelos ao vento e na leveza do diálogo, revela que mesmo a masmorra é superável.

Armando Rafael disse...

Glória,
Gostei muito deste seu texto-resgate.
Eu não sabia nada sobre Flávia e você foi a primeira pessoa que me repassou este episódio da ditadura uruguaia.
Parabéns pela postagem e que venham outras...