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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
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"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Tradição Oral - Bisaflor conta histórias - Por Stela Siebra Brito

Florbela casou-se muito jovem. Teve oito filhos, dezenove netos e cinco bisnetas, que, carinhosamente, chamam-na de Bisaflor. Esta amável bisavó contou histórias para os filhos, depois foram os netos que se aninharam no seu colo e adormeceram embalados pelas aventuras da turma do Sítio do Pica Pau Amarelo, de príncipes e princesas, dragões, caiporas, bruxas, ogros. Agora são as bisnetas que se deleitam com histórias de sapo que virou príncipe, de jabuti que foi a festa no céu, de macaco que enganou onça e por aí vai.
Carmen, a neta mais velha de Bisaflor, pensando em socializar o conhecimento das histórias da tradição oral narradas pela avó, organizou um grupo de pessoas interessadas em aprender e recontar histórias.
Assim, uma vez por semana, Bisaflor ia contar histórias na Associação Comunitária de Campo Belo. E foi uma experiência tão bonita! É que Bisaflor também gostava de ouvir histórias e, sempre antes das narrativas, queria saber como as pessoas estavam, em qual bairro moravam, perguntava às mais velhas pelos netos, perguntava às mais jovens pelos maridos, pelos filhos. E vai que, de pergunta daqui, responde dali, conversa vai, conversa vem, era um papo tão gostoso, davam risadas, cantavam, relembravam o que parecia desmemoriado.
As tardes de contação de histórias com Bisaflor ficaram famosas. Ela feliz, o grupo feliz. Era uma troca de histórias: Bisaflor ensinando e aprendendo, o grupo aprendendo e ensinando histórias de trancoso, de verdade, de sabedoria, de vida.
A família de Bisaflor também estava feliz com o Era uma vez se espalhando na cidade pela voz da anciã, com graça, com força, naturalidade e encantamento.
Então, tiveram a idéia de escrever as histórias narradas por Bisaflor. Depois idealizaram que seria bom publicar aquelas histórias todas, tão bonitas, tão imaginativas e encantadoras, que já tinham feito tanto olhinho brilhar ou arregalar, já tinham provocado suspiros e sorrisos, deleites na alma e nos corações das pessoas, pequeninas ou adultas.
Enfim, eram histórias tão boas de se espalharem cada vez mais por esse mundão... E quem melhor do que um livro pra sair por aí, de biblioteca em biblioteca, de casa em casa, de bairro em bairro, de sítio em sítio? De cidade em cidade, de mão em mão, de coração a coração?
E foi assim que surgiu a primeira edição do livro BISAFLOR CONTA HISTÓRIAS, narrando contos da tradição oral, originários de diversos povos: indígenas, brasileiros, africanos, europeus, asiáticos, americanos, orientais.
Depois, com a explosão dos blogs na internet, provocando uma divulgação sempre maior dos pensamentos e das experiências que as pessoas desejam compartilhar, Carmen convocou sua amiga Stela para colocar as histórias de Bisaflor na internet. Sorte que Stela tem uma amiga blogueira juramentada e, também apreciadora de histórias, que é Socorro Moreira. Portanto, toda semana, aqui no Cariricaturas, Bisaflor vai contar uma história. E começa hoje, agora. Crianças e adultos se deleitem e entrem no mundo mágico das fabulações.
O CÁGADO TOCADOR DE GAITA

M eu pai sabia de uma história contada por seu bisavô, que escutou de uma velha parenta índia que viveu no tempo em que se entendia a fala dos animais.
A velha índia contou que havia um cágado tocador de gaita, dos bons, cuja arte causava grande admiração a todos os outros animais, e a alguns, até inveja.
É o caso do jacaré, que morrendo de inveja do cágado, só pensava em sair por aí tocando gaita ou então, ficar na beira do rio, tomando banho de sol e tocando gaita.
Um dia o jacaré foi ao local onde o cágado costumava ir beber água, deitou-se na areia e ficou esperando o amigo, que chegou saudando-o:
- Olá amigo jacaré, como vai?
- Na vidinha de sempre. Estou aqui, amigo cágado, tomando meu banho de sol.
O cágado bebeu água até se fartar, sentou-se ao lado do amigo, puxou a gaita do bolso e começou a tocar. O jacaré, que já tinha arquitetado um plano, elogiou a música do cágado, e depois acrescentou:
- Será que eu levo jeito pra tocar gaita? Eu tenho tanta vontade de experimentar, o amigo bem que podia me emprestar um pouquinho.
Disse isso olhando com olho pidão para o amigo cágado, que, sem desconfiar das suas intenções, lhe passou a gaita. O jacaré se atirou na água no mesmo momento, levando consigo a almejada gaita. O cágado ficou fulo de raiva, mas naquele momento estava em desvantagem, não podia fazer nada, “mas, me aguarde amigo jacaré”.
Alguns dias depois o cágado já tinha em mente uma forma de reaver sua gaita e, ainda, criar uma situação constrangedora para o jacaré. Foi a um cortiço, engoliu um monte de abelhas e lambuzou o fiofó com muito mel. Depois, dirigindo-se ao lugar onde o cágado costumava tomar banho de sol, escondeu-se entre as folhas, botou o rabo pra cima e aguardou.
O jacaré chegou e postou-se a tomar banho de sol. O cágado abriu a boca e soltou uma abelha que saiu zunindo, zum... zum... zum; daqui a pouco soltou outra abelha, depois outra e todas saiam zunindo, o que chamou a atenção do jacaré, que, supondo ter por ali um cortiço de mel, enfiou o dedo no fiofó do cágado, que o apertou com força. O jacaré gritou “ai” e o cágado perguntou:
- Cadê minha gaita? Só solto seu dedo quando me der conta da gaita -, falou assim e ia apertando cada vez mais o dedo do jacaré, que se pôs a chamar pelo filho, entoando uma cantiga:
- “Ô Gonçalo,
meu filho mais velho,
a gaita do cágado...
tango-lê-rê...
a gaita do cágado...
tango-lê-rê...”
O rapaz não entendendo bem o que o pai queria perguntava de lá:
- O quê, meu pai, é sua camisa?
Da beira do rio o jacaré respondia:
- “Ô Gonçalo,
meu filho mais velho,
a gaita do cágado...
tango-lê-rê...
a gaita do cágado...
tango-lê-rê...”
Mais uma vez o rapaz não ouvia direito o que o jacaré pedia.
- Ô, meu pai, é o seu chapéu?
- É não, meu filho,
é a gaita do cágado,
é a gaita do cágado.
- Ô, meu pai, é sua alpercata?
- “Ô Gonçalo,
meu filho mais velho,
a gaita do cágado...
tango-lê-rê...
a gaita do cágado...
tango-lê-rê...”
- Ô, meu pai é seu facão?
E novamente o jacaré respondia a cantilena, e pensava: “ai que vexame”.
Já estava com o dedo quase torado, quando finalmente Gonçalo chegou com a gaita. O jacaré a entregou ao dono, que, só então, soltou seu dedo.
O cágado saiu tocando gaita beira de rio acima, feliz da vida com sua música.
O jacaré teve que mergulhar rapidinho nas águas, pois não agüentava mais a mangação do outros animais.
Entrou por uma perna de pinto e saiu por uma de pato, senhor rei mandou dizer que contasse quatro.

Stela Siebra Brito

4 comentários:

socorro moreira disse...

Stela, querida !
Houve um tempo que eu só comia , na base da história. Um vício saudável do qual nunca me libertei.
E você chega assim toda prosa com essa proposta maravilhosa para o nosso deleite.
Imagina , se já não fiquei ligada !?

Um abraço !

Claude Bloc disse...

Stella,

Fechei os olhos, abri a boca e degustei a história...

Adotei você como contadora de histórias. Esteja à vontade, venha a qualquer hora. Venha sempre. Estu precisando desse toque infantil na minha vida pra combater as agruras.

Esse deve ser o melhor remédio...

Obrigada por hoje.
Abraço,

Claude

socorro moreira disse...

Stela, minha mãe é uma grande contadora de histórias. Geralmente ela é o personagem principal.
Desde que eu era pequena que repete a história da pôa - pôa...
Chorava aos pés da mãe : eu quero minha pôa-pôa !
Escureceu , e a minha avõ não sabia ainda o que a filha pedia.
Acendeu a lamparina, abriu um baú de roupas, e começou a tirar de lá,peça por peça. Já no final, sacou uma camisolinha de cetim, e eis que minha mãe grita : achei minha pôa-pôa !
Pra que tanto choro, né? Só por causa de uma pôa-pôa ! ( risos)

Stela disse...

Queridas: Bisaflor tem muitas histórias para contar. Aguardem só.
Claude, tua criança interior vai viajar, sonhar e acordar alimentada de boas lembranças.
Socorro, adorei a história da pôa-pôa.......... beijos pra vocês, lindas crianças.