"Ela tem uma voz admirável, de encanto impregnante", disse o escritor e musicólogo Mário de Andrade, encantado com a voz e a presença de Bidu Sayão. "Que frágil tenuidade vibra tão frágil e intensa no seu cantar. Prova de que uma alma de ave pode escalar na paixão."
Bidu fez sua estréia oficial em 1926, em Roma, interpretando Rosina, da ópera "O Barbeiro de Sevilha", de Gioacchino Rossini. O sucesso a levou a cantar nas principais casas de ópera da Europa, aí incluído o teatro La Scala (Milão), onde em 1930 tornou a desempenhar o papel de Rosina. Em 1935, estreou nos EUA, cantando no Carnegie Hall (Nova Iorque): ali, sob a regência de Arturo Toscanini, atuou na ópera "La Demoiselle Élue", de Claude Debussy. Em 1937, cantou pela primeira vez no Metropolitan Opera House (também em Nova York), interpretando a personagem que dá nome à ópera "Manon", de Jules Massenet.
Bidu radicou-se nos EUA e fez brilhante carreira no Metropolitan, onde atuou durante 16 temporadas operísticas, cantando em 155 apresentações. Apresentou-se também em turnês por outras grandes cidades dos EUA, como Chicago e San Francisco. Em 1945, gravou em Nova York a versão mais conhecida da "Bachiana Brasileira no 5", de Heitor Villa-Lobos.
"O Brasil repugna porque transforma todas as suas manifestações artísticas em folclore carnavalizado. Isola um determinado objeto para encará-lo com lente de aumento ou distorcê-lo no espelho de parque de diversão das metalinguagens mal-assimiladas. Quem é mais esclarecido tende a desprezar esse tipo de ufanismo semi-analfabeto, nutrido na televisão e nas passarelas do samba. Cultura brasileira virou monopólio de bicheiro e produtor caça-dólar. Exemplar é o caso da soprano carioca Bidú Sayão (Balduína de Oliveira Sayão), nascida no Rio de Janeiro em 11 de maio de 1902 e moradora de uma mansão em Lincolnville, no estado do Maine, Estados Unidos, desde os anos 40. Bidú foi homenageada no carnaval de 1996 por uma escola de samba carioca. Só por este motivo a mais importante cantora lírica brasileira do século XX se tornou conhecida pela massa consumidora.
Pela primeira vez desde 1936, um disco de Bidú é lançado no Brasil. O CD intitula-se "Opera Arias & Brazilian Songs'' (Columbia/Sony Classical) e traz 23 faixas, com mais de 73 minutos de duração, além de um livreto com entrevista, ensaio biográfico e fotografias da artista. É uma oportunidade para rever a contribuição real de Bidú, de forma racional.
O disco reúne gravações realizadas em Nova York entre 1941 e 1950, o período áureo da carreira da cantora, durante o qual atingiu o máximo de engenho vocal. Traz a lendária gravação inaugural da "Ária - Cantilena'' da "Bachiana Brasileira número 5'', realizada no Leiderkranz Hall de Nova York em 26 de janeiro de 1945, com solo de violoncelo de Leonard Rose e conjunto de oito violoncelos e regência do compositor, Heitor Villa-Lobos (1887-1959). A pedido de Bidú, Villa-Lobos alterou a peça, escrita originalmente para solo de violino, para solo vocal em boca chiusa. Por causa da gravação de Bidú, a obra tornou-se conhecida no mundo todo.
Ela conseguiu concretizar as impossibilidades concebidas pelo compositor, que pensava em violino, não em voz, quando a escreveu. A composição resultou também no último registro sonoro de Villa-Lobos, que mais uma vez regeria Bidú em 1959. "É o meu canto de cisne'', disse o compositor à soprano.
"E o meu também'', respondeu ela. De fato, Bidú encerraria a carreira discográfica com a "Ária'', dois anos depois de sua despedida dos palcos, no Metropolitan Opera House em 1957, em concerto realizado em comemoração dos 20 anos de trajetória da soprano naquela casa de ópera.
A gravação mais antiga do CD é a da ária "Je Veux Vivre'', da ópera "Roméo et Juliette'', de Charles Gounod. Data de 18 de agosto de 1941 e foi realizada no mesmo Leiderkranz Hall. Já com a carreira firmada, ela havia se tornado conhecida nos EUA pelas interpretações do repertório francês.
Seu grande sucesso nova-iorquino se deu no concerto de 16 de abril de 1936, no Carnegie Hall, quando cantou "La Demoiselle Élue'', poema lírico de Claude Debussy, com versos de Dante Gabriel Rosseti. A regência era do maestro italiano Arturo Toscanini, com acompanhamento da Schola Cantorum de Nova York. Toscanini se interessou por Bidú desde que a ouviu no Town Hall, em dezembro de 1935, no recital de estréia da cantora nos Estados Unidos.
Contratada pela Columbia em 1941, Bidú se dedicou a princípio aos mestres franceses e aos nacionalistas brasileiros, geralmente em gravações feitas em teatros, com a atmosfera de concerto. O álbum mostra a soprano à vontade entre os franceses. De Gounod interpreta também "Roi de Thule'' e "Jewel Song'', gravadas no Met em junho de 1945. Na mesma sessão fez três árias de Jules Massenet ("Je Suis Encore Tout Étourdie'' e "Reston Ici... Voyons, Manon'' e "Adieu, Notre Petite Table'', da ópera "Manon''). Com "Manon'', ela fez sua estréia triunfal no Metropolitan. Além dos românticos, devotou-se ao modernos: "Toi, le Coeur de la Rose'', de Maurice Ravel (1875-1937) , "Si Tu Veux'', de Charles Koechlin (1867-1950), "Le Nelumbo'', de Ernest Moret te"Chanson Triste'', de Henri Duparc (1846-1933), "De Fleurs'' e "L'anée en Vain Chasse'', de Debussy. Esta última faixa, bem como "Si Mes Vers Avaient des Ailes'', de Reynaldo Hahn (1874-1947), ela registrou no estúdio da Columbia, na 30th Street de Nova York, em 12 de maio de 1950. Completa o programa do álbum o ciclo de "canções folclóricas brasileiras'' arranjadas por Ernani Braga (1898-1948): "Nigue, Nigue, Ninhas'', "Capim di Pranta'', "´´O Kinimba'', São João da Ra Rão'', Engenho Novo'' (gravado erradamente no livreto como "Engenho Noval''), "A Casinha Pequenina'', "Meu Boi Barroso'' e "Ogunde Varere''. O acompanhamento ao piano é de Milne Charnley. A sessão foi realizada em 2 de junho de 1947, em local indeterminado. A cantora está mais à vontade no programa francês do que no brasileiro. Em francês, sua segunda língua, mostra-se natural e simples. Em português Bidú canta com a prosódia italiana, seguindo as normas do canto lírico nacional, tão questionadas mesmo na época por Mário de Andrade.
Por força da lei, os cantores interpretavam (e ainda interpretam em alguns casos) num português macarrônico, sem sibilações ou vogais anasaladas e com erres fortes à italiana. A canção caipira "Engenho Novo'', por exemplo, soa ridícula para os ouvidos modernos. Bidú dá um festival de arbitrariedades prosódicas, com muito erre e "ao'' em vez de "ão''. Sempre com a emissão perfeita, emitindo cada nota com sabedoria.
A voz de Bidú é de soprano coloratura, própria a canções virtuosísticas e repertório leve. Isso lhe causou problemas e frustrações. Desde pequena, filha de família riquíssima e criada na Praça Tiradentes e em Botafogo, queria seguir carreira no teatro. Foi um tio, o advogado -pianista e compositor nas horas vagas- Alberto Costa que lhe sugeriu a ópera, por conciliar representação, canto erudito e respeitabilidade. Naquela época, atrizes eram consideradas prostitutas. Bidú começou a ter aulas com a professora romena Elena Theodorini e evoluiu rapidamente. A fim de examinar a própria voz, ela gravou particularmente, em 1918, duas árias de "Il Guarany'', de Carlos Gomes. Fez recitais no Teatro Trtanon e em outros salões cariocas. Sua peça de resistência era a "Ária da Loucura'', de "Lucia de Lamermmoor'', de Donizetti.
Um tipo de seqüência dramática, que poucas vezes iria ousar. Na época, ganhou o apelido de "O Pequeno Rouxinol'' e o crítico Oscar Guanabarino decretou: Não tem voz para salões, quando muito para salinhas''. Ainda que tenha se enganado redondamente, Guanabarino tinha razão no juízo sobre o tamanho da voz de Bidú. Era pequeno, embora o timbre delicado e a sutileza da interpretação compensassem o problema. Era melhor que fizesse tudo em boca chiusa.
Apoiada pela família e podendo viajar muito, estava em férias na França quando foi procurar, em Nice, o professor polonês Jean d Reszke (1850-1925). Ele lhe ensinou o repertório básico da ópera francesa e italiana, sempre acompanhado por Reynaldo Hahn. Em 1925, viajou para Roma e foi convidada a cantar "O Barbeiro de Sevilha'', de Rossini, abrindo a temporada do Teatro Constanzi. Logo depois, estreava no Teatro Municipal do Rio de Janeiro com a mesma opera. Também nesse ano ela debutou no Municipal de São Paulo, como Gilda do "Rigoletto'', de Verdi. De volta ao Rio, cantou "Il Matrimonio Segreto'', de Cimarosa, e "Soror Mariana'', do tio que a incentivou, Alberto Costa.
Voltou à Europa e estreou no Scala de Milão em outubro de 1929.Fez furor no Municipal do Rio em 1933, com "Lucia'', ao lado de Beniamino Gigli.
Em 1936, apresentou-se no teatro carioca como Ceci, de "Il Guarany''. Neste ano, Benito Mussolini mandou que Bidú cantasse em "Don Pasquale'', de Donizetti, para celebrar o casamento do príncipe herdeiro italiano, Umberto, e a princesa da Bélgica. Mussolini era um fã de Bidú. E vice-versa.
Durante a Segunda Guerra, a cantora pendurou, em seu apartamento de Nova York, o retrato do sorridente ditador com dedicatória, na mesma parede em que estava o de Franklin Roosevelt, para horror dos amigos americanos.
Alcançou fama internacional no Met, onde interpretou 16 papéis ao longo de 20 anos. Era especialmente chamada para Susana de "As Bodas de Figaro'' e Zerlina de "Don Giovanni'', ambas de Mozart, e outros personagens leves, que sempre detestou. "Eu odiava meu repertório', diz em entrevista no livreto. "Toda aquela coloratura, todos aqueles papéis que não eram emocionais!''.
Seu repertório compreendia 22 papéis. Bidú não achava apropriado fazer papéis demais. O papel favorito foi o de Melissande, da ópera "Pelléas et Melissande'', de Debussy, representado em 1946 no Met e no ano seguinte no Municipal do Rio.
A ópera foi recebida com frieza pelo público brasileiro, mas Bidú nã se importou. Disse que um dia os brasileiros se acostumariam com Debussy. Ninguém acreditou nela. O "Rouxinol Brasileiro'' tinha qualquer coisa de Cassandra, de sibila.
Tinha sua própria teoria de canto, revelada na pequena, mas interessante biografia escrita por Fernando de Bortoli, "Bidú Sayão, O Rouxinol Brasileiro'' (101 páginas, edição particular, 1992). Bortoli cita uma entrevista de Bidú à repórter Rose Hylhut da revista "The Stude''. Discorre ali sobre o ofício do cantor: "A arte do canto exige preparo sólido e consciencioso da voz e da cultura musical A voz é o instrumento musical do cantor, que primeiro precisa construir o seu instrumento antes de poder utilizá-lo. A base do canto pouco tem a ver com a arte e depende do desenvolvimento e do domínio muscular, uma espécie de ginástica sutil.
O canto depende da ação de certos músculos do abdômen, do diafragma, do peito, do pescoço, do rosto, das cavidades do nariz e da boca''. E conclui: "O cantor que aspira à ópera, deve certificar-se primeiro se possui a verdadeira habilidade dramática. É erro grave supor que qualquer boa voz pode alcançar sucesso no palco. A voz é apenas um dos numerosos fatores que o artista deve ter à sua disposição para comover o auditório''.
http://www.geocities.com/Vienna/8179/bidu.html
www.mulher500.org.br/
2 comentários:
Que surpresa boa !
Não conhecia a soprano, nem de ouvir falar.
Agora, graças a você , posso fechar a pesquisa buscando a sua voz, e ouvi-la.
Obrigada, Corujinha por tão rica contribuição.
Abraços.
Eu selecionei um vídeo no youtube onde ela canta "O mio babbino caro",mas me esqueci e postei antes.Lá tem vários vídeos com ela inclusive ela interpretando "La Violetera".
Um beijo.
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