Há dias venho tentando escrever um comentário nos textos do meu amigo João Marni. Quedava-me lendo e analisando os comentários dos amigos e deixava passar. Hoje me deparo com o texto sobre a inexorabilidade da morte que João escreveu. O médico e a dor humana no sentimento da perda. Tem muito a ver, como escreveu Foucault, com o “sentimento contraditório de se ver impotente, não ser um semideus”. A imensa maioria das pessoas nunca está preparada psicologicamente para perdas e danos. E muito menos para a morte. A leitura e a prática superficial de toda a explicação escatológica sobre a morte e o caminho que leva à sublimação dessa dor não é entendida porque não se mergulha na fé. Como diz Frei Beto: ”já nascemos morrendo para a vida”. Mas não é exatamente sobre isso que quero tratar neste texto. Esse tema é de imensa amplitude e a abordagem requer subsídios extensos.
Quero falar de João. Esse homem repleto de sentimentos. Fizemos amizade meninos, adolescentes, convivência no mesmo ciclo, vivendo as mesmas experiências, curtindo tudo o que a vida bela e boa de nossa terra oferecia à época. Plena de romantismo, brincadeiras eternas, festas, tertúlias e os namoros e paixões que a Praça Siqueira Campos brindava nas noites de domingo. João sempre foi um cara brincalhão, de riso solto, piadista e “gaiato”.
Um “bon vivant”, amigo de todos, educado e fino no trato com todos, indistintamente. Puxou muito ao pai, uma figura lendária. O que marca um homem de caráter, para distingui-lo de tantos, é a sua trajetória ao longo da vida, as fases, os momentos que atravessa, a sua relação com a vida e as pessoas. Um homem que muda seu caráter e sua personalidade ao sabor dos acontecimentos ou levado por eles não é digno de nota. Não estaria então plenamente formado.
João tem uma alma simples, generosa, profunda e sustentada pela fé que o anima e o manteve íntegro na adversidade com o mesmo sorriso estampado no rosto e nos seus belos e profundos olhos azuis. Eu sei do que falo, e por saber, falo e escrevo. Faço um corte no tempo e nos vejo na Rua Álvares de Azevedo em Recife onde moramos. Um prédio tipo caixão (que ainda hoje está lá, meio decadente pelo tempo e abandono, mas que toda vez que por lá passo as recordações afloram.
João e Fátima eu e Eliane. Casados, jovens, cheios de sonhos e sobrando dificuldades de toda ordem. Eu morava no térreo e João no superior. Nossos “móveis” eram iguais, pois foram desenhados por nós e feitos pelo mesmo carpinteiro que trabalhava na Faculdade de Ciências Médicas. Tudo simples, mas muito arrumado, uma TV, cama, guarda-roupa, uma “radiola” no segundo quarto, uma esteira no chão onde curtíamos uns seis “bolachões” (LP) e tomávamos as geladas nos fins de semana. Na cozinha, a tradicional geladeira Cônsul, o fogão e um armário. Casa de estudante! Mas sobrava amor e amizade por todos os lados. E tínhamos o requinte de uma “piscina” de plástico para Monalissa, e o meu Thiago se divertirem e nós um churrasquinho animado. Anos de ferro, pouco dinheiro, muito aperto. Instituímos a fraternidade da tribo para sobreviver, quando faltava numa casa tinha na outra. Até uma “cestinha elevador” criamos para o sobe desce de “mercadorias”. João nunca mudou um centímetro sua maneira de ser. Só ele sabe determinar a sua dor e a sua perplexidade interior frente à adversidade. Eu aprendi com a minha. Seria compreensível que tivesse se transformado em um homem revoltado, seco, incrédulo, sem alma. Mas não!
Tudo o que passou de bom e de ruim o transformou em um ser sensível, maduro, observador da natureza humana (que o estudo da psicologia consolidou pelo entendimento da natureza), um pai amoroso, fiel a seu amor e à sua própria trajetória humanística. Juntou o dom da psique a physis e dessa junção fez-se médico de homens e de almas.
Você meu caro amigo, é sentimento só. O melhor do sentir e do fazer sentir. Eu amo você porque sei quem você é.
Do seu AMIGO, com carinho.
4 comentários:
Que depoimento lindo , Nilo Sérgio !
Conheço de perto essa família , a pouco tempo, mas já me deixei vencer pelos todos sentimentos !
Nilo Sérgio,
Escrita leve, deliciosa e cheia de carinho.
Muito bom ter você por aqui, para conhecer mais sôbre pessoas que admiramos como João Marni.
Parabéns pelo texto !
Abraço !
Linda homenagem, Nilo.
Felizmente, ainda há pessoas no mundo que conservam esse verdadeiro sentimento sa amizade.
Parabéns !
Claude
Meu irmão nilo,suas palavras massagearam o ego deste égua.
Foram bons momentos aqueles,no Santa Catarina que na verdade não era tipo caixão,mas um ferro de engomar!Apareça.
um grande abraço
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