Da tia Assunção, apesar de ser uma pessoa que nos revelava a presença de Cristo em seu coração, são muitas as histórias das suas artimanhas, quando menina. (.....)
Uma das histórias de tia Assunção que, mais ouvi a minha mãe contar, foi por ela própria confirmada. Provavelmente é a mais famosa de quantas ela produziu.
Dona Mafalda, uma velha rabugenta, parente afim do meu avô, costumava visitar a casa dele no Sítio São José, por lá demorando-se por mais de quinze dias, como costumavam ser as visitas daquela época. Numa dessas visitas, serviram uma famosa buchada de bode, num dia de domingo. A velha fartou-se de saborear aquela nossa iguaria típica, sem preocupação nenhuma com o colesterol, coisa inventada pelos médicos nos últimos anos para nos encher de preocupação, assim penso eu. Mas o excesso de gordura lubrificou adequadamente o aparelho digestivo daquela visita chata. E os efeitos daquela panelada surgiram lá pelas dez horas da noite, quando todos já dormiam. Naquela época, não havia aparelhos sanitários no interior das residências, mas uma rústica latrina na parte final do quintal da casa. Então, a velha acometida de uma insidiosa cólica intestinal, implorou à minha avó:
– Terezinha, mande uma das suas meninas me acompanhar até a latrina, pois estou sofrendo uma forte dor de barriga.
A minha avó procurou entre as suas filhas uma que estivesse acordada. Encontrou a tia Assunção que demorou a dormir, talvez arquitetando mais diabruras para o dia seguinte.
– Assunção, pegue um candeeiro e acompanhe a dona Mafalda até a latrina. Atenda a tudo que ela lhe pedir.
Então foram as duas, tia Assunção, com muita má vontade, caminhava lentamente à frente, iluminando o caminho e a velha atrás, reclamando por um caminhar mais rápido. Ao chegarem ao local da latrina, tia Assunção colocou o lampião no interior da mesma e ficou do lado de fora, acostumando-se com a claridade furtiva da luz das infinitas estrelas que brilhavam no nosso vasto céu de eterno verão. Enquanto isto, no interior da latrina, a velha resfolegava entre odores de uma mistura de enxofre e amônia. Passados mais de dez minutos, uma eternidade para aquela angustiosa espera ao relento, tia Assunção ouviu a velha a lhe pedir:
– Minha filha, procure umas folhinhas de mamona e traga aqui para eu me limpar.
Tia Assunção que conhecia cada milímetro daquele território sabia que vicejavam por ali, alguns pés de uma variedade de urtiga de folha larga, parecida com a própria folha de mamona e que por lá é conhecida como cansanção. Sem muito esforço e para se vingar da velha, ela colheu várias folhas daquela erva e deu para sua cliente. Esta, ao esfregar as folhas na pele para limpar-se, soltou um lacerante grito, que cortou o silêncio da noite, acordando as pessoas da casa e da vizinhança, a cerca de cem metros de distância. A minha avó correu para verificar se não teria sido uma cobra cascavel que mordera a pobre velhinha. Ao perguntar o que se passara, ouviu a voz chorosa da velha:
– Terezinha, que menina perversa! Ela me deu urtiga para eu me limpar e estou toda queimada.
Por sorte, a tia Assunção não levou uma grande surra, pois a minha avó era muito severa. Graças a intervenção do vovô, a surra foi substituída pelo castigo de preparar para a vítima um meio banho com água morna, servido numa grande bacia, colocada sobre um pequeno tamborete. A pessoa que se submeteria a tal banho deveria sentar-se, numa operação que à época denominava-se apropriadamente de banho de assento. Só que, àquela altura, a raiva de tia Assunção crescera ainda mais e ela misturou à água morna bastante sal grosso, logo dissolvido. Assim que a velha mergulhou o traseiro na bacia, sentiu o ardor do sal a queimar novamente a sua carne já ferida e agora devidamente temperada. Então deu um pulo e novo grito:
– Terezinha, esta menina quer me matar! Não é que ela colocou sal na água morna. Agora é que estou toda queimada, mesmo! Me acuda pelo amor de Deus!
Nova intervenção de vovô e a tia Assunção obteve comutação da pena de uma merecida surra, pelo castigo de lubrificar a parte queimada das adiposas carnes do traseiro da velha Mafalda com uma mistura de manteiga e banha de galinha. Era o ungüento ideal para queimaduras. Em seguida, deitaram a velha em uma rede num quarto de boa largura e como castigo, a tia Assunção deveria balançar a rede, a fim de minorar os efeitos da queimadura que ela maldosamente produzira naquela malfadada velha.
Mas a raiva de tia Assunção, a esta altura, já estava no topo de uma curva parabólica de eixo vertical. Passou a balançar a rede com tanta violência, a ponto de a velha chocar-se contra a parede do quarto, a mais de dois metros do local onde a rede ficaria em repouso. Novo e angustiante protesto da velha, desta vez dirigido ao meu avô.
– Pedro Esmeraldo, dê uma jeito nesta sua filha moleca, antes que ela me mate.
Vovô, que até então rira muito das peripécias da filha, achou que a brincadeira passara dos limites. Levantou-se e deu umas boas chineladas em tia Assunção. Esta entre soluços e lágrimas passou a balançar a rede da velha, como gente grande. Aos poucos, a velha foi acalmando. Passava de uma hora da madrugada, quando a minha avó constatou que a velha dormia e mandou sua filha deitar-se.
No dia seguinte, a velha encerrou a visita. Esqueci de perguntar a mamãe e às suas irmãs se ela voltara no ano seguinte para nova e longa visita.
Que falta faz um utilíssimo rolo de papel higiênico!
Condensado do livro: “Histórias que vi, ouvi e contei.” de Carlos Eduardo Esmeraldo
Uma das histórias de tia Assunção que, mais ouvi a minha mãe contar, foi por ela própria confirmada. Provavelmente é a mais famosa de quantas ela produziu.
Dona Mafalda, uma velha rabugenta, parente afim do meu avô, costumava visitar a casa dele no Sítio São José, por lá demorando-se por mais de quinze dias, como costumavam ser as visitas daquela época. Numa dessas visitas, serviram uma famosa buchada de bode, num dia de domingo. A velha fartou-se de saborear aquela nossa iguaria típica, sem preocupação nenhuma com o colesterol, coisa inventada pelos médicos nos últimos anos para nos encher de preocupação, assim penso eu. Mas o excesso de gordura lubrificou adequadamente o aparelho digestivo daquela visita chata. E os efeitos daquela panelada surgiram lá pelas dez horas da noite, quando todos já dormiam. Naquela época, não havia aparelhos sanitários no interior das residências, mas uma rústica latrina na parte final do quintal da casa. Então, a velha acometida de uma insidiosa cólica intestinal, implorou à minha avó:
– Terezinha, mande uma das suas meninas me acompanhar até a latrina, pois estou sofrendo uma forte dor de barriga.
A minha avó procurou entre as suas filhas uma que estivesse acordada. Encontrou a tia Assunção que demorou a dormir, talvez arquitetando mais diabruras para o dia seguinte.
– Assunção, pegue um candeeiro e acompanhe a dona Mafalda até a latrina. Atenda a tudo que ela lhe pedir.
Então foram as duas, tia Assunção, com muita má vontade, caminhava lentamente à frente, iluminando o caminho e a velha atrás, reclamando por um caminhar mais rápido. Ao chegarem ao local da latrina, tia Assunção colocou o lampião no interior da mesma e ficou do lado de fora, acostumando-se com a claridade furtiva da luz das infinitas estrelas que brilhavam no nosso vasto céu de eterno verão. Enquanto isto, no interior da latrina, a velha resfolegava entre odores de uma mistura de enxofre e amônia. Passados mais de dez minutos, uma eternidade para aquela angustiosa espera ao relento, tia Assunção ouviu a velha a lhe pedir:
– Minha filha, procure umas folhinhas de mamona e traga aqui para eu me limpar.
Tia Assunção que conhecia cada milímetro daquele território sabia que vicejavam por ali, alguns pés de uma variedade de urtiga de folha larga, parecida com a própria folha de mamona e que por lá é conhecida como cansanção. Sem muito esforço e para se vingar da velha, ela colheu várias folhas daquela erva e deu para sua cliente. Esta, ao esfregar as folhas na pele para limpar-se, soltou um lacerante grito, que cortou o silêncio da noite, acordando as pessoas da casa e da vizinhança, a cerca de cem metros de distância. A minha avó correu para verificar se não teria sido uma cobra cascavel que mordera a pobre velhinha. Ao perguntar o que se passara, ouviu a voz chorosa da velha:
– Terezinha, que menina perversa! Ela me deu urtiga para eu me limpar e estou toda queimada.
Por sorte, a tia Assunção não levou uma grande surra, pois a minha avó era muito severa. Graças a intervenção do vovô, a surra foi substituída pelo castigo de preparar para a vítima um meio banho com água morna, servido numa grande bacia, colocada sobre um pequeno tamborete. A pessoa que se submeteria a tal banho deveria sentar-se, numa operação que à época denominava-se apropriadamente de banho de assento. Só que, àquela altura, a raiva de tia Assunção crescera ainda mais e ela misturou à água morna bastante sal grosso, logo dissolvido. Assim que a velha mergulhou o traseiro na bacia, sentiu o ardor do sal a queimar novamente a sua carne já ferida e agora devidamente temperada. Então deu um pulo e novo grito:
– Terezinha, esta menina quer me matar! Não é que ela colocou sal na água morna. Agora é que estou toda queimada, mesmo! Me acuda pelo amor de Deus!
Nova intervenção de vovô e a tia Assunção obteve comutação da pena de uma merecida surra, pelo castigo de lubrificar a parte queimada das adiposas carnes do traseiro da velha Mafalda com uma mistura de manteiga e banha de galinha. Era o ungüento ideal para queimaduras. Em seguida, deitaram a velha em uma rede num quarto de boa largura e como castigo, a tia Assunção deveria balançar a rede, a fim de minorar os efeitos da queimadura que ela maldosamente produzira naquela malfadada velha.
Mas a raiva de tia Assunção, a esta altura, já estava no topo de uma curva parabólica de eixo vertical. Passou a balançar a rede com tanta violência, a ponto de a velha chocar-se contra a parede do quarto, a mais de dois metros do local onde a rede ficaria em repouso. Novo e angustiante protesto da velha, desta vez dirigido ao meu avô.
– Pedro Esmeraldo, dê uma jeito nesta sua filha moleca, antes que ela me mate.
Vovô, que até então rira muito das peripécias da filha, achou que a brincadeira passara dos limites. Levantou-se e deu umas boas chineladas em tia Assunção. Esta entre soluços e lágrimas passou a balançar a rede da velha, como gente grande. Aos poucos, a velha foi acalmando. Passava de uma hora da madrugada, quando a minha avó constatou que a velha dormia e mandou sua filha deitar-se.
No dia seguinte, a velha encerrou a visita. Esqueci de perguntar a mamãe e às suas irmãs se ela voltara no ano seguinte para nova e longa visita.
Que falta faz um utilíssimo rolo de papel higiênico!
Condensado do livro: “Histórias que vi, ouvi e contei.” de Carlos Eduardo Esmeraldo
2 comentários:
Ai, que delícia de texto !
Carlos você é demais como contador de causos.
Abraços
Prezada Socorro
Agradeço suas palavras de incentivo. Confesso que me senti estimulado.
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