Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Torcendo com o Inimigo – por Carlos Eduardo Esmeraldo

Futebol sempre desperta paixões. Desde 1958, quando o Brasil conquistou sua primeira Copa do Mundo, comecei a me interessar por esse esporte. A partir daí, acompanhava os jogos pelo rádio e imaginava o futebol do Rio, São Paulo e Bahia como uma coisa irreal, sobrenatural até, bem diferente do que eu costumava ver no nosso campo do Esporte, na Rua Carolino Sucupira. Até os lances exibidos pelo Canal 100 no Cine-Moderno e Cassino, davam a impressão de algo extraordinário.
Em 1964 fui estudar em Salvador, preparando-me para enfrentar o vestibular três anos antes. Naquela época, os times campeões de cada estado disputavam um campeonato por eliminação, para saber-se quem seria o campeão do Brasil. O Ceará foi representado naquele ano pela equipe de mesmo nome, campeã cearense de 1963. Após desclassificar os campeões do Pará, Maranhão e Pernambuco, numa extraordinária façanha, o campeão cearense credenciou-se para enfrentar o Bahia, numa disputa cujo vencedor iria enfrentar o campeão Carioca, ficando entre os quatro melhores do Brasil. O primeiro jogo foi em Fortaleza. Deu empate. Em Salvador esperávamos que o impossível acontecesse. Eu e meus primos João, Luciano, José Esmeraldo e o amigo Vivim, resolvemos ir ao estádio torcer pelo Ceará. Era a primeira vez que iria a um jogo e conhecer um estádio de verdade. Mal terminamos o almoço, saímos de casa cedo, pois morávamos na Ribeira, distante mais de dez quilômetros da Fonte Nova. Ao chegar ao estádio, achei-o uma coisa impressionante. Por fora se via apenas um muro bastante alto. Quando entramos no estádio, estávamos na parte alta dele, com uma enorme escadaria rodeada por uma passarela. Escolhemos um lugar onde havia sombra, com bastante torcedores a ocupar os degraus, que os primos mais experientes me explicaram ser as arquibancadas. Quando chegamos num espaço suficiente para acomodar os cinco cratenses, ouvimos alguém gritar: “Esses caras aí têm cara de cearenses e vão sair daqui na porrada.” Ao que os outros concordaram. Estávamos bem no meio da torcida do Bahia. Poderíamos ter saído e ido para o outro lado das cabines de rádio onde ficavam os torcedores do Vitória, eternos rivais do Bahia. Mas o primo João acalmou-os, dizendo que também torcíamos pelo Bahia e que não éramos cearenses coisa nenhuma. Uns dez minutos depois de iniciado o jogo, o Ceará já perdia por dois a zero, e com o coração dilacerado, tivemos de pular a cada gol dos baianos. Para mim, aquele jogo foi decepcionante. Longe do futebol que eu imaginava, não via nada diferente do joguinho que o nosso Anduiá fazia na seleção do Crato. Porém nossas ações no meio da torcida baiana foi muito divertida. No segundo tempo, o Ceará voltou bem melhor e dominava claramente o jogo. Eu estava ao lado de um baiano e lhe disse: “O nosso time está muito acovardado, acho que eu vou torcer pelo Ceará!” “E eu também.” Respondeu o baiano, sem muita convicção. Nesse momento, Gildo marca um belo gol para o Ceará. O meu primo João pulou para comemorar, quando eu o puxei pelo braço sufocando o seu grito. Ele se lembrou de onde estava e das promessas dos baianos. Já começava a gritar: ”Gôoo...” e com a minha advertência, sufocou seu grito, balançou os braços para o alto, e lavando a alma soltou um sonoro palavrão: “pô......”
Depois dessa, esperei nunca mais ir ver jogo no meio da torcidas adversária. Mas passados vinte e cinco anos, eu e Magali chegamos ao Rio de Janeiro, num sábado à noite. Na recepção do hotel, um carioca muito animado, disse: “Amanhã tem Flamengo e Vasco no Maracanã. Se quiserem ir, temos os ingressos e ônibus na porta do hotel. Recusei, pois era a primeira vez que ia ao Rio e gostaria antes de visitar aqueles locais a que todo turista vai. Após almoçarmos num restaurante de Copacabana, entramos num ônibus para o Maracanã. Chegamos quase na hora do jogo, compramos ingresso para as cadeiras e seguimos as orientações das placas indicativas. Não havia mais nenhum lugar disponível e sentamos nos batentes. Na cadeira ao lado, um senhor educadamente cedeu sua cadeira para Magali e sentou-se no cimento ao meu lado. Era um torcedor do Flamengo. No meu imaginário de vascaíno, jamais poderia esperar uma atitude tão educada quanto aquela partindo de um torcedor do “urubu”. Olhei ao redor e só via torcedores com a camisa rubro-negra. Época do Zico, e um monte de estrelas que faziam do Flamengo um time invencível. Com poucos minutos de jogo, o Flamengo fez três gols e eu sofria com a derrota do meu Vasco, abraçando o amigo flamenguista, a cada gol. Uma espinhada muito profunda no coração vascaíno. No segundo tempo, ocorreu o mesmo daquele jogo da Bahia. O Vasco começou a reagir, fez um e dois e estava já para empatar. Mas fazia tudo para não desgostar aquele novo amigo carioca e flamenguista. Quando o jogo terminou, eu o abracei e agradeci. E ele brincalhão, como todo carioca disse: “É, mas eu notei que você é vascaíno. “Se eu tivesse adivinhado antes, não teria dado meu lugar à sua mulher.”

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

3 comentários:

socorro moreira disse...

Muito bom !
Eu assisti no Maracanã : Botafogo e Flamego . Torcedora do Vasco, naquele dia, tive que torcer pelo Flamengo. Muito esquisito , mas foi com emoção. Isso é traição ? Eu acho !


Abraços, Carlos, e até amanhã, virginiano !

Claude Bloc disse...

Carlos Eduardo,

Os jogos aos quais eu assistia como torcedora ferrenha eram os do Votoran, AABB, CTC... Futsal!
Mas isso foi no nosso Crato de outrora...

Acho muito interessante essa questão da torcida, pois muitos levam tão a sério que acaba por se tornar engraçado para quem é mero observador, assim como aconteceu nessa história que nos conta.

São coisas pitorescas! Gostei muito!

Abraço,

Claude

Carlos Eduardo Esmeraldo disse...

Prezada Socorro
E o pior é torcer pelo Flamengo logo num jogo com o Vasco.
Você estará aqui amanhã? Mas que surpresa!

Claude.

Garanto que depois desses dois desastres nunca mais entrei num estádio. Prefiro assistir pela TV, onde não há violência, nem ameaças, a gente vê muito melhor, tem repeteco e aqueles torcedores chatos a gente aguenta.
Abraços