Permitam-me , leitores, começar esta croniqueta de sábado puxando um pouco pelas reminiscências. Quebrado o cabo das tormentas, inevitavelmente, pomo-nos a olhar cada vez mais para trás: o passado se vai tornando cada vez mais vívido. Aí, se precisa um grande exercício para não terminar como um índio velho , contando , eternamente , aos netos a história da sua tribo : Meninos , eu vi! Sei bem que à vida – vereda de mão única-- a gente deve dirigir, como se fosse um carro. Tem-se que olhar para frente, pois a estrada se estende para adiante e o caminho percorrido se desfaz à nossa passagem . Mas vez, por outra , é imprescindível dar uma olhadinha pelo retrovisor. Permitam-me, pois, esta rápida olhadela, prometo não incorporar o espírito de Sherezade.
Aí pelo finalzinho dos anos 70, nos últimos anos do curso de Medicina, eu dava um plantãozinho na Unidade Mista do Cabo de Santo Agostinho, próximo ao Recife. Num desses plantões, um colega que trabalhava conosco, chegou atrasado , o que não era fato corriqueiro. Todos estavam apreensivos , tínhamos todos que trafegar na BR 101 , rodovia perigosíssima ainda hoje , já duplicada. Chamava-se Freyre e possuía um fusquinha antigo que em Recife era carinhosamente chamado de Cururu. Passada umas duas horas ele, por fim, para alívio de muitos, chegou ao plantão montado no seu bólido. Vinha um pouco angustiado e contou-nos a razão do atraso e da ansiedade. A rodovia , em reforma, apresentava um pequeno desvio em terra batida. Estávamos em julho, tempos de chuvas torrenciais na zona da mata pernambucana. Freyre pegou o desvio , dirigindo cuidadosamente. Havia muitas poças de água pelo chão. Em sentido contrário ao seu, vinha um caminhão, carregando um trator na carroceria. Segundo ele , o motorista conduzia seu pesado veículo com calma e extremo cuidado. Freyre parou um pouco o fusquinha, esperando a passagem do outro carro com maior dificuldade de deslocamento. Ao emparelharem os dois, o caminhão precisou deixar uma das rodas dianteiras entrar dentro de uma poça. Coberta de água , não se podia mensurar a profundidade. Pois aquilo se tratava de uma boca de lobo, o caminhão pendeu e o trator, desequilibrado, tombou. Felizmente para o lado contrário ao do fusquete. Nosso amigo , ainda trêmulo, explicou : minha vida, hoje, dependeu do mero acaso, do lado imprevisível para onde o trator caiu. Se a poça existisse na outra margem, eu não estaria aqui contando esta história.
Freyre havia , rapidamente , descoberto a iniqüidade da existência. A frágil teia da vida depende de meros acasos. De muitos encontros possíveis e improváveis : De um homem com uma mulher; de um espermatozóide com o óvulo; da multiplicação perfeita e infinita de muitas células; da complicadíssima montagem do quebra-cabeças dos genes. Você pode até acreditar que existe uma mão poderosa que lança os dados, mas, por mais fatalistas que sejamos, é perfeitamente impossível prever o resultado do jogo. A vida, amigos, é , por fim, o somatório de muitos acasos a favor ou contra . Um balanço de encontros e desencontros aleatórios e insondáveis. O sol que resplandece à nossa frente neste sábado mágico depende do tsunami que não veio, do acidente que não aconteceu , do vulcão que não eclodiu, da placa tectônica que adormeceu; do H1N1 que não atacou. Sorte ou revés , azar ou fortuna são ladrilhos que atapetam, em igual proporção, as tortuosas e escuras trilhas da nossa passagem pelo mundo. Neste exato momento, onde nosso inconseqüente pé irá pousar?
O encanto desse instante , amigos, é único! A todo instante os dados são lançados no imenso tabuleiro da existência. Quem arrisca o resultado da próxima pule? Agora, eu sei que magicamente o sábado brilha para todos nós seu sorriso fosforescente. Espero que estas palavras tenham acrescido alguma luz ao brilho deste momento que não se repetirá. Logo mais o trator deve cair novamente da carroceria, prá que lado tombará?
Aí pelo finalzinho dos anos 70, nos últimos anos do curso de Medicina, eu dava um plantãozinho na Unidade Mista do Cabo de Santo Agostinho, próximo ao Recife. Num desses plantões, um colega que trabalhava conosco, chegou atrasado , o que não era fato corriqueiro. Todos estavam apreensivos , tínhamos todos que trafegar na BR 101 , rodovia perigosíssima ainda hoje , já duplicada. Chamava-se Freyre e possuía um fusquinha antigo que em Recife era carinhosamente chamado de Cururu. Passada umas duas horas ele, por fim, para alívio de muitos, chegou ao plantão montado no seu bólido. Vinha um pouco angustiado e contou-nos a razão do atraso e da ansiedade. A rodovia , em reforma, apresentava um pequeno desvio em terra batida. Estávamos em julho, tempos de chuvas torrenciais na zona da mata pernambucana. Freyre pegou o desvio , dirigindo cuidadosamente. Havia muitas poças de água pelo chão. Em sentido contrário ao seu, vinha um caminhão, carregando um trator na carroceria. Segundo ele , o motorista conduzia seu pesado veículo com calma e extremo cuidado. Freyre parou um pouco o fusquinha, esperando a passagem do outro carro com maior dificuldade de deslocamento. Ao emparelharem os dois, o caminhão precisou deixar uma das rodas dianteiras entrar dentro de uma poça. Coberta de água , não se podia mensurar a profundidade. Pois aquilo se tratava de uma boca de lobo, o caminhão pendeu e o trator, desequilibrado, tombou. Felizmente para o lado contrário ao do fusquete. Nosso amigo , ainda trêmulo, explicou : minha vida, hoje, dependeu do mero acaso, do lado imprevisível para onde o trator caiu. Se a poça existisse na outra margem, eu não estaria aqui contando esta história.
Freyre havia , rapidamente , descoberto a iniqüidade da existência. A frágil teia da vida depende de meros acasos. De muitos encontros possíveis e improváveis : De um homem com uma mulher; de um espermatozóide com o óvulo; da multiplicação perfeita e infinita de muitas células; da complicadíssima montagem do quebra-cabeças dos genes. Você pode até acreditar que existe uma mão poderosa que lança os dados, mas, por mais fatalistas que sejamos, é perfeitamente impossível prever o resultado do jogo. A vida, amigos, é , por fim, o somatório de muitos acasos a favor ou contra . Um balanço de encontros e desencontros aleatórios e insondáveis. O sol que resplandece à nossa frente neste sábado mágico depende do tsunami que não veio, do acidente que não aconteceu , do vulcão que não eclodiu, da placa tectônica que adormeceu; do H1N1 que não atacou. Sorte ou revés , azar ou fortuna são ladrilhos que atapetam, em igual proporção, as tortuosas e escuras trilhas da nossa passagem pelo mundo. Neste exato momento, onde nosso inconseqüente pé irá pousar?
O encanto desse instante , amigos, é único! A todo instante os dados são lançados no imenso tabuleiro da existência. Quem arrisca o resultado da próxima pule? Agora, eu sei que magicamente o sábado brilha para todos nós seu sorriso fosforescente. Espero que estas palavras tenham acrescido alguma luz ao brilho deste momento que não se repetirá. Logo mais o trator deve cair novamente da carroceria, prá que lado tombará?
J. Flávio Vieira
4 comentários:
Esse meu colega do Cratin escreve porque sabe.
Oh coisa bôa é lhe ver por aqui, Doutor.
Adorei o texto !
Penso tanto em tudo isso, sabia ?
Penso, mas não tomo providências. De que adiantaria ?
Amanhã é dia do anjo-da-guarda. Vivo pegada com o meu desde menina. Vou seguindo, e ele atrás de mim ou antes de mim... Pensando assim , me tranquilizo. Quando o trovão soa, o perigo já era... Mas , e na próxima tempestade ?
Mesmo que eu não vá, posso vir a sentir falta de um bem amado.
Sei não... melhor é viver o momento, agora mais consciente, depois das suas palavras.
Abraços.
Dia 16 próximo tem festa. Só não sei aonde... ! ( risos)
Prezado doutor e amigo,
Gostei do texto. Por isso me inspirando para escrever um relato muito parecido que aconteceu com seu amigo também - mas o meu relato tem uma pitadinha de paranormalidade e estdos alterados da consciência.
Abraço,
Bernardo
Abraço a Edilma a Socorro e aao Bernardo pela paciência em ler o texto desta semana. Aguardamos o texto do bernardo e a sua volta à terrinha depois da estada aí pelo Rio. Arrume os teréns e se avexe, homem de Deus!
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