Balduíno , entrado nos anos, arranjou um quebra-galho. Fora casado, pusera no mundo uma récua de filhos que se espalharam pelo Brasil, tangidos pela necessidade. O casamento acabou por decurso de prazo. Ele e a mulher mantiveram-se debaixo do mesmo teto, por mera formalidade. Arrefecidos os ânimos mais exaltados e o fogo que um dia já havia incendiado as caldeiras das entranhas; resolveram, por economia de recursos e de solidão, dividir a mesma casa, a mesma mesa e multiplicar apenas as camas. Comunicavam-se através de uma gama básica de palavras, geralmente monossílabos e dissílabos. Evitavam as interrogativas. A esposa , mais lépida, juntava-se a umas outras tantas colegas da mesma geração: na igreja, no SESC, em atividades físicas no Corpo de Bombeiros. Balduíno, aposentado, carregava o fardo da melhor idade (?) nas rodinhas de praça, nos bares, num joguinho de gamão. Pois, sabe-se lá como, apareceu de chofre aquela novidade de todo inesperada. E bota inesperado nisso!
Os colegas caçoavam : Balduíno, na verdade era um kit de encostados no INSS. Carregava ele mesmo e mais um outro aposentado no meio das pernas. Parece que tudo começou por conta do sonho misterioso. Uma noite, ele sonhou dirigindo uma camionete carregada de jaca. Ele mesmo era o motorista e andava quilômetros e quilômetros de ré. Pela manhã, saiu com aquela imagem pregada como chiclete. Lembrou, então, de fazer uma fezinha no Jogo do Bicho. Procurou uma cambista: D. Imeuda. Explicou-lhe a revelação onírica e ela rápido matou a charada. Camionete carregada de jaca, andando de ré : Jaca-ré ! Balduíno fez a pule : lascou dez reais na milhar e deu jacaré na cabeça . Ficou tão feliz com o prêmio de R$ 20.000,00 que deu R$ 5000,00 para a mestra na dificílima arte de interpretação do sonho.
O acompanhamento do sorteio e os preparativos para recebimento do prêmio fizeram com que D. Imeuda e Balduíno se aproximassem. Sabe-se lá como, rolou um clima. E aí vem um outro fato inesperado. Ela era mais velha do que a esposa do aposentado. No entanto, ainda conservada e fogosa carregava aquele olhar de lince de outrora, escamurçava como veado à aproximação ainda que distante da onça. E mais: Imeuda estava totalmente desimpedida, separara-se do marido há alguns anos e não tinha filhos.
Balduíno começou pelas beiradas como quem come sopa. Aproximou-se ,devagarzinho, como se tomasse chegada pra atirar em passarinho. De repente, desembestou um namorico que percorreu, provando que o amor é cego, todo o alfabeto Braille. Em pouco, mergulharam na mesma cama e a experiência parece ter sido, de lado a lado, prazerosa. Só um pequeno contratempo. Imeuda , apesar dos anos, mostrava-se quentíssima na cama, tinha, no entanto, o hábito de gritar como uma louca na hora do orgasmo. Este costume trouxe para Balduíno enormes dificuldades. Se por um lado aquilo massageava seu machismo, por outro , toda a vizinhança dava notícia das intimidades do casal. Uma vez, no Motel, terminaram por chamar o Ronda do Quarteirão imaginando que se tratasse de um crime passível de enquadrar-se na Lei Maria da Penha. Mesmo quando buscavam lugares mais recônditos para o namoro, como a serra, um matagal distante, terminavam por causar celeuma. Pessoas que passavam, mesmo longe, punham-se a correr imaginando tratar-se de alguma alma penada. Aos poucos, Balduíno começou a ficar cabreiro com os comentários jocosos que iam tomando conta das rodinhas e se foi afastando discretamente de D. Imeuda. A propaganda em demasia, também, acabou por criar várias admiradoras à performance aparentemente imbatível do nosso D. Juan. E ele , na verdade, não estava com essa bola toda: a pelota do velho Balduíno já vazava pelo pito, tinha já uns quatro remendos e andava meio murcha.
Anos depois, Balduíno encontrou-se com o ex-marido de D. Imeuda e ele explicou que suas agruras tinham sido piores que a do amante. Todos o olhavam com olhos de chacota e sussurravam piadinhas pelo canto da boca. A gota d´água, no entanto, tinha sido o apelido que lhe haviam posto : “Tampa de Caixão”. Para um Balduíno incrédulo, ele decodificou a origem do epíteto que pegara como catarro em parede:
--- Você não já viu um velório? Antes do corpo chegar na casa do decujos , os familiares ficam ali pelos cantos chorando baixinho como se tivessem chupando cana : snif... snif... snif.. De repente, chega a funerária com o defunto na urna, aí o povo todo de se agita, num é? Então, tiram a tampa do caixão de repente... E a gritalheira toma de conta do mundo Ai, ai, ai! Oh! Oh!Oh! Ui! Ui!Ui ! . Pois eles diziam que era eu que tirava a tampa do caixão de Imeuda, nas horas das conchambranças...
J. Flávio Vieira
6 comentários:
Que delícia , ler você !
Hoje pensei em te visitar ,de tardezinha , por saudades !
Desta feita ,nem era pra me queixar das pequenas doenças.
Grande abraço , no meu mestre maior !
EIta Crato bom da pesta. Ter um filho deste não é prá qualquer um não. Quando um vem, o outro só em município bem distante.
Ouvi, na rua, que os escritos de Zé Flávio deveriam ser enfeixados em livro. Entendi como sendo uma forma de perenizar o que é belo em conteúdo e expressão em lingua portuguesa. Bom demais fruir de seus escitos, caro amigo.
abraços à Socorro, ao Zé do Vale e ao Zé Newton todos irmãos próximos na emsma geografia e história.
Affff! Zé Flávio,
Bolei de rir com as (des)venturas de Balduíno. Na verdade a propriedade de provocar o bom humor é mérito seu.
Abraço,
Claude
Claude,
É que a coisa tá tão carregada que só escrevendo estas potocas para ver se se aquietam um pouco os demônios.
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