Você não esperou
que eu acordasse.
Saiu antes
que lhe falasse
sobre o sonho
que tive.
Meio tosco.
Meio sinistro.
Seria diferente
se houvesse esperado
meus olhos abrirem.
Eu teria mentido.
Teria dito coisas maravilhosas.
Quem sabe também eu acreditaria
e lhe puxaria pelos braços.
Meu sorriso seria verdadeiro.
O meu beijo nem se fala.
Talvez tudo mudasse.
Você estivesse crendo
nas minhas palavras
e no meu corpo.
Mas se o meu corpo
já lhe causava fardo
impossível de fato
a companhia.
Se você não tivesse sumido.
Fechado a porta com tanta força.
Estaria eu ainda dormindo.
Silencioso.
Ninguém saberia do meu sonho.
Da minha mentira.
Você saiu com tanta pressa.
Esqueceu o frasco de perfume.
Sabe, moça, quando quero
queimar as últimas fotos
e os últimos versos
não encharco as lembranças
com álcool, querosene
ou uísque.
Uso seu perfume.
E o fogo cresce.
Toca o teto.
Tudo muito cheiroso.
Até choro.
Se você ainda estivesse
ao meu lado (acredite)
eu teria mudado
de sonho mau.
Mas você feito bala ansiosa
não esperou eu apertar o gatilho.
Saiu pelo cano do revólver.
Deu uma volta.
Acabou atingindo meu coração por trás.
Atravessou costelas.
Por isso respiro com dificuldade.
Não é o cigarro.
Não são os lances de escada
que subo toda noite
até sua alma.
Não é o vinho
a garrafa de vinho
que bebo sob eternas madrugadas.
O ar já estava pesado.
Respirávamos pelas narinas
de um rinoceronte acuado.
E naquele dia em que você acordou
repentina, com o dedo em riste
gritando que iria mudar de vida
sequer me deu tempo
para lhe falar do sonho
que tive.
Você fez a minha mala.
Pôs camisas no cabide.
Mudei de casa.
É verdade.
Agora é outra vida.
Não acordemos os mortos.
O sonho deles
é um sonho puro.
Um comentário:
"Não acordem os mortos"
O contrário é cancelar a vida, e ficar noutro mundo.
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