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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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quinta-feira, 1 de julho de 2010

Por tua linda cabeleira - José do Vale Pinheiro Feitosa

Os cabelos se tornaram objeto de desejo da indústria cosmética. Não por acaso. Isso vem de muito tempo. Em todos os povos, todas as culturas e civilizações os cabelos foram objeto de adoração e mitificação. Parte da transcendência do corpo como símbolo ocorre com os penteados, com os cortes a darem outra mensagem. Distinta a que uma determinada cultura se acostumara e agora pode se encontrar diante do inusitado só de um corte diferente do que esperava.

As Copas do Mundo se tornaram um centro destas diferenças. Desde Ronaldo com aquele corte a Príncipe Danilo na copa de 2002, até as inúmeras e coloridas desta atual copa africana. O que não se dizer dos desfiles fashion, das propagandas de shampoo, especialmente quando o objeto do desejo é sexual e ocorre nas volumosas cabeleiras femininas.

Não existe nada mais sedutor, mais universal no símbolo do desejo pela mulher do que seus cabelos e isso não é uma tara pessoal. Os Muçulmanos inteiros pensam assim, têm de cobrir as madeixas mundanas destes seres que desviam as almas maometanas da concentração em Deus.

Em Pernambuco, nos arredores de Recife, diz Câmara Cascudo, havia um “assassino, chefe de malta, ladrão, tornado famoso pela sua coragem e destemor. Forte, bonito, com uma extensa cabeleira que lhe deu o apelido, José Gomes, filho de Joaquim Gomes, com o pai e em companhia do mameluco Teodósio, espalhou o terror durante anos e anos, despovoando zonas inteiras e constituindo um pavor coletivo. Cantava-se, como ainda hoje, duzentos anos depois: “Fecha a porta, gente./ Cabeleira vem ai!/ Matando mulheres,/ Meninos também...”. E, para contrariar a assertiva do parágrafo anterior, se tratando de espécime masculino. Franklin Távora fez da vida deste homem um romance: O Cabeleira.

Quem não lembra daqueles cachinhos encastelados em metal, normalmente ouro, a servir de berloques para os pais daquela criança que um dia os perdera no primeiro corte. E as forças dos cabelos de Sansão a explicar a traição e a sedução? A clássica história de George Sand decepando sua linda cabeleira e a enviando a Musset como oferta de sua devoção sexual?

Nada mais trágico do que aparar rente uma linda cabeleira. Quem se esqueceu da atriz argentina, Irma Alvarez, nas páginas da Revista o Cruzeiro, em 1961, rapando a cabeça para estrelar no filme inacabado de Ruy Guerra: O Cavalo de Oxumaré? Do meu coração sangrando, eu lembro, quando Socorro, uma linda menina da Batateira, deixou rentes os cabelos que era uma majestosa e dourada cabeleira a balançar minhas fantasias universais.

Os cabelos são tão fundamentais que se tornam pagas de promessas aos santos. Na bruxaria, voltem no tempo muito mais do que estava, os cabelos eram peças chaves: segundo Câmara Cascudo pela lei da contigüidade simpática. (contigüidade simpática – bem resumido – se refere à similaridade entre a pessoa e os seus cabelos, pois em magia a contigüidade ocorre por similaridade entre as partes e o todo e esta só se transmite por simpatia através de infusões, toques etc. Segundo Claude Levy Strauss: Nos ritos de enfeitiçamento praticados sobre um fio de cabelo, este é o traço de união entre a destruição figurada e a vítima da destruição.). Em bruxaria, mais uma vez Câmara Cascudo, “os da cabeça enlouquecem ou matam. Os da partes pudendas anulam a virilidade.”

Sabem aquela trunfa do Elvis Presley que tanto “modernizou” a vida do pós-guerra? Era a velha expressão simbólica do arrojo pessoal e do destemor, assim como os longos e cacheados cabelos dos nossos lampiões do árido sertão. E, recordem, a filmografia mostrou isso à exaustão, uma referência o filme Cinco Mulheres Marcadas, de 1960, com Silvana Mangano, Jeanne Moreau, Vera Miles, entre outras atrizes, com as cabeças rapadas por terem sido amantes de militares alemães durante a ocupação da França na segunda guerra mundial. Isso era uma prática na península ibérica, rapar a cabeleira das mulheres como pena e pertencia ao Código Visigótico (portanto antes da dominação árabe).

Isso se aplicava aos homens rebeldes, quando os vassalos se insurgiam contra os senhores feudais, ou por falsidade ou covardia. Então, no feudalismo, os homens também eram descalvados e expulsos em grande humilhação. Até que os cabelos cresciam novamente e quem tivesse juízo aprendia um novo método de contrariar a ordem emanada pelos senhores ou perdiam o juízo e se sujeitavam com a cabeleira cheia de piolhos.

E existiam, como outra modalidade de pena, tendo os cabelos como fonte, a tosquia. O cabelo aparado dos recrutas não tem outro sentido do que a sujeição à cadeia de comando que lhes chega aos ouvidos com as diatribes de cabos e sargentos. Em religião, assim como os militares, a prática da tosquia e rapinagem é ampla e mundial, inclusive nas religiões orientais como no budismo.

Os cabelos de Socorro, soltos no panorama do canavial da Batateira era o que ocorria com as jovens, já o da minha avó, viúva, elam longos, mas rigorosamente presos em coque. E quando as minhas duas avós se deslocavam até a Missa, iam, igualmente, com as cabeleiras cobertas e com vestidos de tons escuros.

E, finalmente, à beira do rio Batateira, sereno e de águas translúcidas, a correr como meu sangue de adolescente fervente, via as mulheres lavando roupas e seduzindo minha alma enquanto ensaboavam as longas madeixas. E quando todos imaginam que eram fantasias apenas minha, elas diziam que os fios soltos que desciam com as águas se transformavam em cobras. Eu bem sei o que sentia.

Um comentário:

Cariricaturas disse...

Texto super interessante !
Quando eu tinha 3 anos e minha irmã menor 2 anos, cortei os meus cachos e o rabo de cavalo dela com a tesoura da minha mãe. Foi um dia de juízo. Até que alguém fechou o assunto, e disse : cabelo é raiz !
Naquele dia , conduzida pelo braço forte da minha mãe, entrei pela primeira vez, num salão de beleza pra ajeitar os estragos. Dona Estela Parente sugeriu que frizassem o meu cabelo. Sai com o cabelo cheirando a queimado, pipocado, parecia cabelo pixaim. E nunca mais tive belos cabelos.
Na adolescência tinha uma propaganda ,nas revistas, de um creme alisante : " para as mulheres que teem tudo, menos cabelos lisos." Assim eu me sentia. Depois dos anos 70, cabelos cacheados estava na última moda. Foi ótimo !
Na gravidez ,os cabelos ficavam misteriosamente lisos ( médico explica?)
Até que perdi a preocupação com cabelos ... Acho que temos que valorizar o "ao natural" !
Mas, o escritor tem toda razão... Mulher de cabelos nos ombros , ou na cintura ( sejam loiros ou escuros ) ganham no agrado dos meninos.
Só pra lembrar... Uma vez li numa revista dos anos 60, que os cabelos de Jaqueline Kennedy eram os mais belos do mundo !
Edilma é quem bem diz: cabelo é a moldura do rosto "... Vale tratá-los ! pra gente se agradar, claro !