Claridade
- Claude Bloc -
Foi fácil, desviar-me da segunda escada. Sua semelhança com a que existira na nossa casa em Crato e onde passei minha adolescência deixou-me desconfiada. E aquela repentina solução para o problema que, há poucos segundos, apresentava-se insuperável, contribuiu para que eu não me afastasse dali. Deixava para trás um possível atalho em nome do desejo de conhecer o que eu sempre havia ignorado.
O homem se pôs diante de mim em um branco tão ofuscante quanto o que percebi difuso na atmosfera do pátio. As paredes ainda guardavam as marcas do buganvília e uma delas ostentava o mapa da França encravado no centro de um Brasil gigante.
Cenas se repetiam na minha mente por um momento indefinido, como se eu vivesse, naquele átimo, uma manhã atemporal, envolta por movimentos familiares de vai-e-vem. Empenhava-me naquela tarefa, sob uma luz incomum e, em breve, com um novo olhar, fisgava a intensa claridade que abarcava meu sonho. Todas as cores estavam reunidas sob a alvura do cenário, no matiz exato que marca todo amanhecer.
O branco das paredes estava associado a tudo: ao reinício, ao recomeço, ao renascimento, envolvidos por essa claridade que chegava a ofuscar minha vista. Eu estava ali, de volta ao começo, de volta à minha casa. Vislumbrei o homem subindo as escadas. Bem pelo centro. Estava quase imerso na transparência, equilibrando-se passo a passo sobre os degraus. A realidade mostrava-se nova. Eu também, naquele momento, havia retornado à adolescência, quando tudo ainda estava por ser descoberto. Sentia-me espectadora e personagem do meu sonho - como se pudesse, a partir daquele momento, reiniciar minha trajetória e buscar o que, por acaso, houvesse perdido.
Meu sonho se escondia sob o que me parecia ser o real, ou o vazio. O nada. Aproximei-me do homem e percebi com ele a urgência de zerar a vida todos os dias e recomeçar sempre, tentando captar a verdadeira face da realidade.
O homem me sorria e continuava a subir a escada. Pressenti, naquele momento, ser tarde para retornar à mesmice da carteira escolar e das receitas oferecidas para bem viver. Talvez exatamente por essa razão eu tenha relembrado, ao acordar, da minha casa no Crato, porque, a partir desse sonho - em todas as manhãs – vou continuar esforçando-me para repetir aquele ritual de maneira consciente. Retornar à casa onde fui muito feliz e àquele homem de vestes reluzentes – meu pai.
3 comentários:
Claude, essa sua foto está simplesmente maravilhosa! Tanto que só depois de admirá-la bastante é que passei para o texto tão bom.
Abraços,
Dihelson Mendonça
Obrigada, meu notívago amigo..
Ainda estou esperando pela sua ligação...
Abraço,
Claude
Minha amada irmã,não somos diferentes de ninguem,e longe disso!
Mas as pessoas sensíveis,como você,
eu,poetas e.t.c.,temos um sensorial agussado ao sexto sentido e percepção de algo alem de nós.Os decibezs do amor,é medido pelo proprio amor,quantas vezes já sonhei,ou sonhamos um sonho vivo...que se torna realidade.Sonhar com nosso pai minha irmã!É aguçar a alma, de renovar os pensamentos a volta dos velhos conselhos e amor que nos foi dado.
Beijos,
Jacques Bloc Boris
Postar um comentário