(Imagem: Jeff Rinehart)
Daqui eu a vejo do outro lado da rua. Vestida com simplicidade, talvez volte da igreja. Ou quem sabe esteja a caminho da padaria. Junto ao meio-fio, observa atentamente os policiais que metem no camburão dois acusados de pedofilia e golpes com cartões, via internet. Em outro carro vão computadores, com arquivos que comprovam a atividade dos detidos.
Olhando-a, percebo o invejável privilégio da paz interior que não se deixa arrastar por armadilhas da tecnologia, como computadores, celulares, cartões de crédito e financiamentos a perder de vista para a compra de quinquilharias. Ao olhar que acompanha um grupo de jovens barulhentas saindo da escola, se junta o sorriso meio saudade, meio misericórdia. E modulando tudo, um coração que, sem desdenhar o caminho de quem quer que seja, trata de percorrer o seu próprio, em viagem de fé silenciosa e operante.
Pobres transeuntes, que corremos aflitos na ilusão ingênua de alcançar o infinito da felicidade, confiantes no fragilíssimo amor humano! Amor que se alimenta de cativos, na ânsia de desfrutar uma sombra de liberdade. Pressinto que aquele coração já sabia disso desde as duras lições da humildade – então véspera de se tornar doce e sábia companheira.
Que esperanças poderiam ainda apressar os passos da dona dos olhos que agora seguem o carro de polícia, até que desapareça na primeira curva? Que urgências, alegrias, ruídos, expectativas ou novidades seriam capazes de perturbar quem deixa entrever compaixão imensa pelos deserdados, perdidos, presunçosos, soberbos caminhantes?
Do silêncio vem a suspeita de que aquele coração não se enganará com tolas e infantis paixões, que nos escravizam e nos levam a desperdiçar precioso tempo a cada dia. E isto porque conhece e ama o destino para o qual caminha, já a passos largos.
Vejo o ônibus que se aproxima e faço sinal ao motorista. Mas quando me volto, levando no olhar pesarosa despedida, ela já havia desaparecido.
por Eduardo Lara Resende
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