Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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terça-feira, 12 de outubro de 2010

Somos mais que nossos preços - José do Vale Pinheiro Feitosa

Frases da idiotice acusam alguém de não valer o preço que se atribui. É que a etiqueta é da mercadoria, apenas colocada no braço dos escravos do consumo

O pior comentário é aquele sobre algo do qual não se tem a referência. Falo de um final de filme que assisti estes dias com a Emma Thompson no papel e uma professora universitária com um câncer terminal. Não lembro o título. Está num destes canais a cabo.

As cenas que vi são um soco no estômago. De todos os modos de morrer o mais dramático e vivenciado é da doença crônica, especialmente o das neoplasias malignas. Doenças que desde o diagnóstico já condenam as pessoas à morte e que abrem uma expectativa de desespero, esperança e frustrações. O desespero do termo irremediável. A esperança de uma cura improvável, por vezes de fé, noutras alternativas e as não menos perversas dos “experimentos” científicos, além do pior de todos: aqueles para a máfia de branco ganhar dinheiro.

No filme, do momento que assisti, estava o diálogo da professora, uma grande erudita, a meditar sobre si mesma em face de sua erudição. Como tornar racional os momentos terminais quando a grande dor, esperada no seu caso, surgisse. Ela discute isso com uma enfermeira que fala das drogas que cessam a dor, irão adormecê-la, poderá provocar uma parada cardíaca, mas que será ressuscitada pois, recursos existem para tal.

A professora pede que se o coração parar não seja ressuscitado artificialmente. Assina que não quer continuar viva. E se torna, no jargão do hospital, uma sigla com a qual o paciente manifesta sua vontade. A vida continua alguns dias, na fase terminal são horas e a dor inicia.

A professora resiste à dor. Prefere manter o sofrimento, mas está exausta. A dor é demais. Chega o médico principal, acompanhado do residente e indica o uso de morfina. Estabelece-se um contraditório entre o médico e a enfermeira, incluindo os gemidos da paciente. Finalmente o médico diz: é preciso lhe dar um momento de descanso.

É feita a aplicação e ela dorme. Acorda e tem um diálogo com a jovem enfermeira e brinca com a ignorância dela com uma palavra. Depois vem o residente, enquanto a paciente dorme, e traça o perfil complexo, orgulhoso e incisivo da professora em sala de aula.

Numa cena chega uma senhora idosa para visitá-la e a encontra arrasada, mas consciente. Tem medo da morte. Sofre com a solidão de sua situação. A senhora explica que a procurou e indicaram este lugar. Diz que tinha vindo a Londres para visitar o bisneto e faz referência a recitar alguns poemas de um determinado autor. Ela pede que não e então, no mesmo ato a professora pega um livro infantil que levava para os bisnetos, senta-se na cama abraçando a amiga e começa a ler.

A história de um filho que queria se transformar em algo diferente para que a mãe não o achasse. A mãe diz que se transformará igualmente e o reencontrará. Tudo que o filho desafia em transformação, a mãe igualmente transformada lá também estará. Se ela for um passarinho, a mãe será uma árvore para que nela ele pouse. A alegoria é que a amiga sempre seria achada, na interpretação da amiga: por Deus. Ou melhor, dizendo a amiga não fazia uma viagem solitária.

A última cena é o residente encontrando a professora em parada cardíaca e acionando a equipe de ressuscitação a qual é impedida pela enfermeira. Em seguida um poema que não consigo reproduzir, mas traduz isso: a morte nos parece a vencedora sobre a vida. Ela nos ameaça, nos mostra o inexorável. Mas ao final ela é a perdedora quando já não pode mais nada quando estamos mortos.

Por isso mesmo, com todas estas mesquinharias da sobrevivência, o ser humano é sempre maior do que ele mesmo e suas circunstâncias históricas.

Um comentário:

socorro moreira disse...

Somos mais nada
somos tudo
e ao mesmo tempo nada
somos uma faísca
que se apaga
somos luz
às vezes desligada
De repente
quando escuta uma palavra
ilumina uma cidade
e encontra agulha e linha
pra costurar o que está rasgado
Não falo dos remendos
falo de possibilidades de restauro.
Adoro quando o assunto chega de você !