Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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domingo, 21 de novembro de 2010

APOCALIPSE DE DRUMMOND E MEU PAI






APOCALIPSE DE DRUMMOND E MEU PAI


Meu pai morreu no mesmo ano

que o poeta Carlos Drummond de Andrade.


Era fevereiro e o mar rugia nos meus olhos,

mas ele morreu longe do mar.


(Drummond morreu olhando o mar? Umas

duas ou três gaivotas e o vai-e-vem das ondas).


As folhas caíam (não era outono) molhadas

do orvalho da noite, ao vento e ao sol.


Meu pai montava a cavalo e gritava

como um deus para a vida.


Drummond

lembrava o pai a cavalo como se pedisse perdão

do silêncio.


O meu pai e o poeta Drummond morreram

porque era hora.


Tinha uma pedra no meio do caminho.


Sinto uma súbita alegria

ao me lembrar de meu pai

ao lado de Drummond

na eternidade.


A minha boca está seca, qualquer palavra

se quebraria.


O dia,

como a morte,

é uma fatalidade.


As crianças gritam

e não acordam meu pai,

que gostava de crianças dormindo.


Venta

neste momento

e em 1987.


Imagino o poeta sorrindo,

mesmo na morte, imóvel.


O morto é uma estátua

fria

na praia,

em qualquer lugar.


(Não deveriam fazer estátuas para os mortos.)


O poeta Drummond teve uma morte pública,

ônibus passam, a fumaça passa, os jornais anunciam

o feito histórico (o poeta morto como uma estátua).


O meu pai pediu um último cigarro, olhou a vela bruxuleante

(haveria vento no quarto? O vento do eterno

não se move).



O meu pai disse adeus,

e partiu a cavalo

sem se levantar do leito.



A cidade pequena

e os parentes sorriram contemplando o seu morto

particular.


O poeta e meu pai

(anônimos)

sorriem na eternidade

satisfeitos

com a poesia do fim dos tempos.


__________

Um comentário:

socorro moreira disse...

Meu Deus, como é bela a poesia de Brandão !