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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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terça-feira, 28 de julho de 2009

A Solidão do Sr. Smith

A notícia saiu , num Caderno secundário, tombada num pé de página de jornal. Uma dessas notas , de poucas linhas, que em geral passam desapercebidas dos leitores mais apressados ou daqueles afeitos às grandes manchetes. Recolheram-na a um canto de página, possivelmente pelo insólito, o editor só faltou rotulá-la de “Acredite se Quiser”. Recôndita, tímida, lá estava ela , com jeitos de esfinge, como a pedir: Decifra-me ou devoro-te! Ali empertigava-se ela a mostrar que, como na vida, o mistério, o segredo, o sutil núcleo de tudo está nas pequenas coisas, justamente naquelas ínfimas e desinteressantes arestas ,onde jamais pousam os desatentos e embotados olhos dos homens comuns.
Na Dinamarca – a nota rezava com ares de insignificância – há poucos dias, os moradores de um edifício se queixaram na polícia, pois estava havendo um significativo aumento de insetos no condomínio. Instados a fiscalizar as causas do problema, os policiais verificaram que os insetos provinham de um dos apartamentos que permanecia fechado e nenhum dos moradores sabia informar sobre o dono. De posse de mandado judicial, arrombaram a porta e encontraram tão somente o esqueleto de um senhor idoso que, depois, a perícia constatou havia morrido, pasmem os senhores, há pelo menos um ano.
Batizemos o nosso velhinho de Smith , já que a sociedade não o pôs na pia batismal quando vivo e a nota também não quis fazer o seu registro civil. Ninguém deu por falta do senhor Smith, durante mais de 365 dias: nenhum familiar, nenhum amigo, nenhum conhecido, o padeiro da esquina, o fiteiro, o porteiro do edifício, Ninguém!!! Os vizinhos de apartamento sequer deram pelo forte odor de decomposiçào, devem ter pensado tratava-se de um animal qualquer abatido: um gato, um cachorro, um rato... e ,o pior de tudo , é que era verdade: era apenas um animal , pior que o cão que, certamente , se desaparecido, teria sido reclamado pelo dono. O Senhor Smith ali permaneceu durante todo um ano, como um soldado de Pompéia moderno, soterrado pelas cinzas da própria modernidade.
Todo o desenvolvimento da humanidade, toda a explosão das telecomunicações apenas fizeram com que aproximássemos as distâncias e distanciássemos as pessoas. O mouse ,que num clic me liga a Copenhague, não consegue cumprimentar o meu vizinho que , do lado, embebido na sua solidão, aguarda, pacientemente, a visita final dos insetos do Senhor Smith.Queiramos ou não, vivemos todos em planetas distintos, carregando os nossos sonhos impossíveis de serem compartilhados, as nossas díspares angústias que nos carcomem a alma e os nossos malgrados enlevos que aguardam , no espelho, a unção final da solidão do Sr. Smith.

J. Flávio Vieira

3 comentários:

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Zé e a família cada vez mais se desfaz e com ela tanta coisa que nem se imagina quantas, inclusive na política. Afinal a família sempre foi o espaço da convivência de contrários.

socorro moreira disse...

Cacetada , bem dada.
E olha que considero-me agregadora.
Mas é assim mesmo doutor, Doutor Smith é o protótipo do nosso descaso com o próximo.
Nem falo da caridade cristã ... Falo da caridade humana.
Até lembrei "Maria Rosa" do Lupicínio Rodrigues. Somos mendigos de alguma coisa. Somos provedores de outras.
-Trocar é a solução.


Minha mãe sempre me liga , e diz : "já te disse que te amo, hoje?"
E eu na cola da cópia, te pergunto :
Já te disse que te amo sempre?

Anita a vida é bela disse...

Seu conto é um convite a reflexão. Obrigada.
Anita