Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Quebrar-se em mil... Por Claude Bloc


Meus ouvidos captavam sinais de vida pelos vãos da memória. "Você pega o trem azul", lembra da música? Lembrava ou não? Também não sei de onde ouvia o apito: "Estação do Cratooo". Foi quando uma menina encabulada desceu da plataforma e me cumprimentou. “O que você tem feito de você?”, perguntou sem muito interesse pela resposta. Acho que eu estava dormindo, ou sonhando, sei lá.

Minhas lembranças sempre me traziam, nessa época, esses pedaços de tempo costurados num presente lerdo de silêncios. Nostalgia, então, era meu remédio e minha doença. Estava sempre às voltas com esses fragmentos de memória misturados em minha alma, complacentemente. Costumava perder-me nas teias de um passado sedoso e macio e não queria mais aceitar essa vida de tantas dores e desalento. E por muitas e muitas vezes, tentei exilar-me na solidão e na obscuridade. Para não errar mais o caminho, para poder um dia voar e poder voltar a sonhar.

Foi difícil sair desse marasmo, mas agora meus silêncios não são mais vazios, nem precisam de passado para se abastecerem de sorrisos e de alegrias. Normal isso, acredito. Eu aí ansiava pela paz e mais que tudo, queria de volta a vida em minhas mãos, pois que eu já houvera percorrido um longo calvário.

Hoje, vivo remexendo na minha bolsa buscando trecos.O passado não fica guardado lá dentro, mas sei que sempre trago naquela bagunça algumas passagens de ida e de volta. Como disse certa vez a uma amiga querida, “basta ter a passagem de volta". - Tem razão, minha amiga! E depois disso, passei a voltar ao Crato contumazmente. Mas antes, passei por muitas, até chegar ao ponto em que estou.

Há alguns anos, e por muitas vezes, quando ia ao Crato, eu procurava em vão um rosto amigo que me acompanhasse por tantas badalações e brincadeiras, mas não achava. Não sabia mais onde as pessoas estavam e, tal como muita gente que conheço, sentia-me quase uma “estranha no ninho”, quando perambulava por aquelas ruas que ainda guardavam as marcas dos meus passos. Creio que, em parte, a culpa também era minha, pois vivia sob a proteção de escudos, presa numa redoma de inconformações e angústias.

Até que um dia, consegui redescobrir e reencontrar a linha azul da Serra do Araripe. E quando falo na Serra falo na gente, nos amigos, na vida. O Crato sempre foi e sempre é o expoente máximo de esperanças e de alegrias que eu possa ter ... e eu o havia perdido durante tanto tempo, por muitos desses acasos que se agregam na gente compulsoriamente, além da nossa vontade.

Imagens de um outro dia, de uma outra vida ou de um outro pensamento, passaram a voar livres diante de mim. Caminhei muito, sem mais tédio, sem mais nada que me incomodasse. Guardei as lembranças num lugar seguro. Vez por outra elas me escapolem, mas ao vê-las, passo a lustrá-las para que não mais escapem. Guardo também, e ainda, aquele velho Hermann Hesse perdido em alguma mochila rota. Lá está um lírio envelhecido pelo tempo com inscrições quase rupestres. Também ouço alguma música ao fundo da noite. Péssima, diga-se de passagem. Mas deixei quietos meus fantasmas, lá mesmo onde estavam. Havia perdido, por um tempo, o mínimo senso de humor. Mas cá estou agora neste novo espaço. Sobrevivente de um marasmo que não mais existe.

Foi por isso e por tudo o mais, que me pus a escrever este texto. Assim como quem exorciza uma fatia de tempo. Sentei-me num daqueles banquinhos para fora da redoma antiga. Meus pensamentos estavam quietos e mornos. Tirei então um papel da velha mochila e meus dedos buscaram uma caneta. Rascunhei despretenciosamente. Precisava de sílabas mais do que de pretensões. Perdi-me, aí, nos prazeres de escrever enquanto mandava aos céus minhas saudades. Poli essa solidão programada, e fui arrancada de meu planejamento por um sorriso confuso e sincero, por aquela animação pueril que só você provoca. E lá fiquei com todos os meus "eus" e todos os "seus".
“Feliz é quem sabe quebrar-se em mil e manter-se único.”

Texto e foto por Claude Bloc

4 comentários:

Stela disse...

Claude, que belo texto! E a foto, belíssima, expressa bem um estado de espírito. Gostei da exorcização, do quebrar-se em mil e manter-se único. Isso é comunhão com a unidade, o encontro consigo mesmo. Um grande abraço e obrigada por compartilhar conosco essas palavras guardadas em velha mochila, mas doidinhas pra ganharem o mundo.

socorro moreira disse...

Mulher íntegra ...Conheço-te !


Abraços.

Ana Cecília S. Bastos disse...

Belo e comovente texto, Claude!
gostei imenso, deliciosa leitura.

Edilma disse...

Olá amiga,

lembranças de nosso passado no seu belo texto. Beijos