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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
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"

(Carlos Drummond de Andrade)

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domingo, 6 de setembro de 2009

Aspectos humanos de D.Hélder - Inácio Strieder- Colaboração de Joaquim Pinheiro

( Publicado hoje ,no Jornal do Comércio)
Como caracterizar D.Hélder? Muitos desejam elevá-lo aos altares. Mas, como ele ainda não foi reconhecido pela Igreja como um santo, nos moldes tradicionais, por enquanto, sua estátua fica ao nível do chão. A dignidade dos altares ainda não lhe cabe. Mas, por que trabalhar para que dom Hélder ocupe os altares? Será que ele não preferiria permanecer ao nível da humanidade, pisando o pó da terra? Com certeza, o seu canto predileto seria: "Se mil vidas me fossem dadas, mil vidas viveria entre os meus irmãos"! Isto se pode concluir do estilo de vida que dom Hélder viveu. Ele assumiu plenamente a sua humanidade. A ele pode-se aplicar, com justiça, a sentença milenar do pagão Terêncio (185-159 a.C): "Sou homem, e nada do que é humano me é estranho". Pois, diante da imagem e semelhança com Deus, que é o ser humano, dom Hélder também repetiria esta sentença antiga "que criatura agradável é o homem, quando ele é um homem".

A D.Hélder interessava tudo que afetava os seres humanos. Muito sofreu com a morte de vários de seus irmãos, quando ainda menor. Passou pela disciplina necessária para se ilustrar e abrir a mente, estudando filosofia e teologia, sempre curioso em relação aos acontecimentos do mundo e ao progresso das ciências. Procurou ser um cristão melhor, um líder cristão, ordenando-se presbítero (padre). Mas não queria ser um padre escondido nas sacristias. Foi para o meio dos homens, assumiu liderança no desenvolvimento educacional do povo cearense. Envolveu-se com uma ideologia, que, inicialmente, lhe pareceu um bom caminho para os seus objetivos de dignificação integral do ser humano. Verificou, posteriormente, que esta ideologia era integralista-fascista, e se afastou dela. No Rio de Janeiro, não se inibiu de encontrar bispos e cardeais, deputados, senadores e o Presidente da República, subiu também aos morros. Cada vez mais se convenceu de que o ser humano é "um animal político", como havia aprendido em Aristóteles. E que a política era a arte de viver dignamente em sociedade. "Ninguém salva a si mesmo", "ninguém educa ninguém, nós nos educamos conjuntamente", como dizia Paulo Freire. Envolveu outros em suas ideias e práticas. Fundou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o que, posteriormente, motivou também a criação do Conselho Episcopal Latino-Americano. Animou os jovens, ativando a Juventude Universitária Católica, a Juventude Operária Católica, Juventude Estudantil Católica. Tentou dar dignidade aos favelados com projetos concretos. Criou o Banco da Providência, para dar apoio financeiro aos mais pobres. Bastava que alguém sinceramente respeitasse o rosto do ser humano para que merecesse o estímulo de dom Hélder, para objetivar em todos os seres humanos, ainda que os mais humilhados, a imagem e semelhança de Deus.

Posteriormente, como arcebispo de Olinda e Recife, denunciou ao mundo as humilhações de homens e mulheres pela tortura, as injustiças de um capitalismo selvagem. Em toda a parte, e em todas as situações, onde acontecia a desfiguração da dignidade do ser humano, lá estava dom Hélder. O seu engajamento pela dignidade dos homens foi reconhecido pelos mais poderosos políticos do mundo: reis, rainhas e presidentes, democratas, monarquistas e ditadores. Os líderes religiosos expressaram sua admiração por dom Hélder : monges do Tibet, budistas, protestantes, espíritas e até os papas, todos eles viam em dom Hélder um ser humano admirável. Mais de trinta universidades lhe conferiram o título de Doutor Honoris Causa. O reflexo de sua liderança humana, política e religiosa, ainda hoje repercute pelo mundo. Mas não foram os confins da terra, a cúpula dos poderosos mais procurados por dom Hélder, ele queria estar próximo ao rosto de cada pobre ao seu redor. Em todas as dezenas de favelas do Grande Recife havia iniciativas da presença. de dom Hélder. Recebia em particular a quem batesse em sua porta, na Igreja das Fronteiras. Permitia e incentivava o amor de quem estivesse amando. Apoiava e incentivava tudo que era digno e humano.

É fundamental que esta expressão do homem humano em dom Hélder não seja dualisticamente supressa por aqueles que querem elevá-lo aos altares, afastando-o da realidade da terra. O verdadeiro sentido de sua presença memorial entre nós é sua presença cristãmente humana.

» Inácio Strieder é professor de Filosofia da UFPE

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