Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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domingo, 6 de setembro de 2009

Michelangelo Buonarroti, O Poeta


Que Michelangelo Buonarroti é um dos maiores gênios produzidos pela espécie humana disso ninguém duvida. O que se poderia dizer menos do autor da Pietà e dos afrescos da Capela Sistina? Suas mãos moldaram esculturas e compuseram pinturas que, em última análise, foram hábeis o suficiente para expressar a grandiosidade da sensibilidade da qual o seu espírito era feito, uma síntese aprimorada do melhor que a espécie foi capaz de engendrar em seu percurso em busca da perfeição.
Para além da pintura e da escultura, Michelangelo deixou também cerca de trezentos poemas em italiano vernáculo, que escreveu entre 1501 e 1560. Os seus poemas são marcados por uma forte carga homoerótica. Porém, esta foi alterada na primeira edição da sua poesia, em 1623, publicada pelo seu sobrinho Michelangelo, o Jovem. Em 1893, John Addington Symonds traduziu os poemas originais para inglês.

Pois os brasileiros agora podem ver como Michelangelo encontrou na poesia um modo de dar vida àquilo que só as palavras podem expressar. A editora Ateliê coloca nas prateleiras das livrarias o livro Cinqüenta Poemas, com tradução (Italiano/português), de responsabilidade de Mauro Gama, alguns dos principais sonetos produzidos pelo gênio. É onde as palavras, reflexo materializado do pensamento feito linguagem, revelam um Michelangelo pouco conhecido.

Graças ao rigorismo responsável e ao competente trabalho do tradutor, Michelangelo demonstra que, das mesma forma que os cidadãos que compõem a sua obra-prima existencial no cotidiano da sobrevivência, sua essência abrigava os mais recorrentes dilemas humanos consubstanciados
na solidão, no abandono a que qualquer individuo está condenado, seja quem for.
Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni
* Caprese, Itália – 06 de Março 1475
+ Roma, Itália 18 de fevereiro de 1564
Cinquenta Poemas apresenta os sonetos considerados mais representativos da produção de Michelangelo, que chegou a cerca de 300 poemas.
Cinqüenta Poemas representa, portanto, a oportunidade para se conhecer a dimensão verbal do trabalho desse autor que Arnold Hauser definiu como "o primeiro artista moderno". Representante máximo da transição entre a visão de mundo escolástica e a percepção moderna da realidade, Michelangelo buscou na poesia um "pensamento
mediador" que conciliasse "sua consciência de si mesmo e da sociedade dos homens, sua angústia entre as promessas do cristianismo e a miséria da nossa condição". Por isso, ao mencionar versos em que ele estabelece um paralelo entre o ferreiro, o demiurgo e o escultor-poeta –
"Só com fogo o ferreiro estende
à idéia cara e seu melhor lavor,
nem sem fogo um artista o ouro, em fervor,
no seu mais alto grau afina e rende:

nem mesmo fênix outra vez se prende
se antes não arde. E eu, se morrer no ardor,
mais claro espero entre esses me repor
que a morte acresce, e o tempo não ofende"
–, Gama chama a atenção para o fato de que "essa capacidade de materializar o que é imaterial (a eternidade, ou a ressurreição), ou de concretizar o abstrato, é tanto mais nova e admirável em alguém que consegue, num contexto como o seu, sentir a fundo a realidade de sua contingência". Como se pode ver no trecho acima citado, a versão de Mauro Gama procura produzir em sua tradução não apenas a relação (que toda poesia estabelece) entre semelhança fonológica e parentesco semântico, mas também uma analogia entre o contexto histórico-lingüístico de Michelangelo e seu correspondente na cultura lusófona. Para tanto, Gama verteu o original italiano para o português da mesma época – trabalho de recriação que, tendo como referência a métrica e as rimas de Luís Vaz de Camões, consegue reproduzir o efeito de modernidade que Michelangelo teve sobre a língua de seu tempo.
Soneto
Michelangelo Buonarroti
(Trad. de Jorge de Sena )

Forçoso é que a piedade enfim me venha,
pra que d’alheias culpas mais não ria,
seguro em meu valor, sem outro guia,
alma perdida que de si desdenha.

Não sei que outra bandeira me mantenha
não vencedor, mas salvo da porfia
com que o tumulto adverso me seguia,
se não é Teu poder que me sustenha.

O carne, ó sangue, ó lenho, ó dor extrema!
Justo por vós se torne o meu pecado
do qual nasci e os pais que foram meus.

Só Tu és bom: socorra tão suprema
piedade o meu predito iníquo estado:
tão perto a morte, e ainda tão longe Deus.
A produção poética do autor da emocionante escultura ’Pietá’, registra sonetos inspirados pela angústia religiosa e pelo amor. Já sexagenário, se mantinha fortemente apaixonado, de forma platônica, por Vittoria Colonna, “a divina”, para quem escreveu sonetos.Vittoria, também era poeta. Imortalizada, na poesia pelo gênio renascentista, provocou incendiária paixão que o transformou de escultor em poeta.
Fontes

Um comentário:

socorro moreira disse...

Que texto completo, amiga !
Eu desconhecia que Michelangelo era poeta. Divino !