Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O Ofício de Everardo Norões- Por: Ronaldo Correia de Brito





Pensamos nos poetas como andarilhos solitários em busca da emoção criadora. O romantismo contribuiu para reforçar o imaginário em torno desses exilados sempre à volta com frustrações amorosas, doenças, pobreza e falta de leitores. Manuel Bandeira, que lutou toda vida contra a tuberculose, se queixa do 'mal romântico', como foi chamada a tísica pelos poetas, numa crônica de julho de 1929.

"Na verdade em seus primeiros tempos a doença pode dar aos infelizes uma certa cor e uma certa sensibilidade romântica. Mas é um momento fugaz. O que vem depois é do mais duro e repulsivo realismo. É preciso amor, coragem ou bondade profunda para fraternizar até o contato físico com um tuberculoso em plena miséria orgânica" - escreveu.

Não existe nenhum glamour em adoecer e morrer, mesmo com auréola de artista. Se ainda fosse vivo, Bandeira escreveria sobre uma outra doença que se transformou em metáfora do nosso tempo: a Aids.

Quando lemos o poema de Carlos Drummond sobre a visita que fez Mário de Andrade a Alfonso de Guimarães, um simbolista entre as serras de Mariana, na distante Minas Gerais, sentimos que o jovem e inquieto Mário não fez mais que fraternizar-se com um velho místico, solitário e esquecido.

A chegada do visitante à casa do poeta desencantado, que escreve poesia e esconde nas gavetas, é como uma luz entrando pelas portas e janelas, mesmo que fugazmente, para logo ir embora. A presença que revira papéis sem aparente significado, que lê em voz alta, que exclama e se encanta é semelhante à do anjo da morte, um personagem bem conhecido dos médicos, pois o anjo visitador costuma trazer um último alento aos enfermos, uma esperança antes que eles morram de vez.

Viver de poesia é inconcebível como sobrevivência real ou simbólica. Nem João Cabral, nem Carlos Drummond, nem Manuel Bandeira, nem Jorge de Lima, nem Murilo Mendes, nem Joaquim Cardozo viveram apenas de poesia. Talvez tenham sobrevivido apenas por serem poetas. Manoel de Barros escreve e cria rebanhos de gado. Vinicius de Moraes era pago por ser diplomata. E Cora Coralina, lá no Goiás Velho, entre os muitos ofícios da vida também decidiu ser poeta.

Dizem que na velha China, na dinastia Thang, de 618 a 907 d.C., cada homem era um poeta. E de fato, só os nomes mais famosos chegam a 2300, um número inconcebível para a nossa cultura ocidental. Será mesmo inconcebível? Quantos poetas se escondem pelos gerais do Brasil, por norte de rios, nordeste seco, centro oeste, pampa sul e sudeste populoso? Quantos? Impossível avaliar.

Há poucos dias citei um poeta cearense que já morou na Europa, na África e há bastante tempo reside em Recife. Disse que o achava um dos melhores poetas brasileiros. Imediatamente alguém me perguntou quem eram os poetas contemporâneos que eu conhecia, para fazer tal afirmativa. E citou-me nomes de todas as latitudes, gente que faz poesia por ofício de viver, enquanto labuta noutros ofícios como sempre foi, desde a antigüidade, desde a Grécia onde Sócrates além de pensador era pedreiro.

Corrijo-me. Everardo Norões é um dos melhores poetas que conheço, entre os milhares de poetas brasileiros que apenas imagino. É dele o poema que transcrevo abaixo, do seu mais novo livro publicado pela editora 7 Letras: Retábulo de Jerônimo Bosch.


Desplagiato

a minha voz de tantos
também tua,
soma de tantos
como agora
rio que resvala
em labirinto
destino solitário de um navio
voz de muito além
de finisterra,
soluço vegetal
pedra marinha
a minha voz
de todos
também minha


Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca e Livro dos Homens.

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