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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Homens em revistas culinárias-Maria Inês Guillard-Lucena

Os estudos sobre gênero – masculino e feminino – têm dado contribuição para a compreensão do ser humano e do mundo. Investigamos, como os valores e a ideologia das sociedades ocidentais materializam-se no discurso sexista divulgado pela mídia impressa. Os resultados indicam os caminhos da construção da identidade masculina – sempre em relação à feminina – ainda colocando os homens no trabalho fora de casa, em profissões de maior prestígio (chef de restaurante), melhor remuneradas, e as mulheres nas tarefas domésticas, tendo que galgar seu lugar ao lado deles, em continuidade à luta iniciada nos anos 1960. Mostram, também, como a mídia tem representado as relações de gênero ao incentivar as inovações (homens na cozinha), por um lado, e a manter o status quo (homens em uma cozinha diferenciada, com mais poder), por outro modo.

É fundamental, para compreender o (novo) homem do mundo moderno, acompanhá-lo nos espaços que freqüenta. No cotidiano, os gestos, as palavras simples e os pequenos detalhes adquirem grande importância, expõem seu íntimo, seus desejos, sua face oculta – ou ocultada – aos olhos mais apressados.

Cada um de nós tem o poder de apoderar-se de uma parte de si-mesmo. Por isso os gestos, os objetos, as palavras que vivem no cotidiano de uma simples cozinha também têm tanta importância (Certeau,1996: 286).

Tentamos, então, apurar os ouvidos, enxergar através das panelas e dos aventais, sentir os temperos, degustar os pratos (arroz e feijão ou caviar?) e apalpar os guardanapos bordados com fios de seda e poder.

Os cozinheiros de casa e os profissionais de gastronomia masculinos vêm ganhando enorme destaque na antiga arte feminina, ou pelo menos, adquirindo espaço em um lugar consagrado às mulheres.

As transformações pelas quais passam as atribuições dos dois gêneros sociais chegou à mais típica “obrigação” feminina: cozinhar. Antigamente, a jovem que se preparava para o casamento deveria saber lidar com os afazeres domésticos: organizar a casa, cuidar da limpeza, coser (preferencialmente) e, sobretudo, cozinhar. O papel do marido era o de prover o lar, e, para isso, trabalhava (fora).

Hoje, após a revolução feminina, em que as mulheres adquiriram sua independência econômica, a realidade é bem diferente. Homens e mulheres trabalham fora, cuidam dos filhos e, em grande parte dos casais modernos, da casa também. Os novos tempos estão mostrando não somente que as mulheres têm capacidade de fazer frente ao competitivo e exigente mercado de trabalho (Delourenço, 2007), como revelou que os homens têm dotes culinários e domésticos. Sejam eles cozinheiros amadores ou profissionais, muitos entendem mais do que muitas mulheres quando o assunto é comida. Profissionalmente, eles têm se destacado muito mais do que as mulheres como
chefes de cozinha. Por ser um setor de trabalho rentável, em que os homens estão dominando, as mulheres procuram galgar uma posição de igualdade. As tarefas do lar, sem remuneração, continuam desprestigiadas, daí serem incumbência feminina, desde tempos remotos.

Os homens, nas revistas de culinária, em geral posam ao lado de utensílios caros e de último tipo, utilizam ingredientes raros e de ótima qualidade em suas receitas, descrevem as ações com linguagem própria de grandes gourmets, e nomeiam seus pratos de modo a marcar distância das receitas comuns do dia-a-dia das donas-de-casa (avós, mães e esposas) do passado. Fazem da cozinha um lugar mágico e valorizado. As imagens que constroem são de profissionais que lidam com algo importante, requintado e de grande responsabilidade. Algo que somente se faz com inteligência e criatividade.

São os cozinheiros do futuro. Respondendo às questões formuladas na introdução, afirmamos que a divisão de papéis sociais entre os gêneros ainda hoje é bastante acentuada. E, com relação à construção da identidade do sujeito, é claro que, para as camadas da sociedade que lêem os textos midiáticos, as representações de gênero são fortemente sugeridas, ditando normas de comportamento “adequadas” aos homens modernos. Aos poucos, as outras camadas da população também adquirem os hábitos já assimilados pelos homens pioneiros da arte de cozinhar.

http://ntjp.ucam.edu.br/niteroi/revistatudo/doc/LUGARDEHOMEMeNACOZINHA.
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