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"Penetra surdamente no reino das palavras.
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Estão paralisados, mas não há desespero,
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"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A Rabada - Por Roberto Jamacaru

Sete de setembro de 1959.

Nesse dia o sol ainda não tinha nascido e eu já havia pulado da cama para vestir o uniforme de gala da escola, pois, na cidade, além dos colégios particulares, todos os Grupos Escolares iriam participar do desfile comemorativo à Independência do Brasil.
Nas 24 horas anteriores, minha ansiedade tinha sido pior... Cedo, fui ao barbeiro para o tradicional corte de cabelo à navalha, cuja estética, deixava os meninos parecidos com os índios Apaches do Velho Oeste Americano, pois, à exceção do centro da cabeça, o resto era raspado à zero ficando, dessa forma, provocativo para os indesejáveis pesqueiros (cascudos) dos adultos e coleguinhas.


Em seguida, apanhei os sapatos junto ao engraxate da praça. Isso porque, por ordem de D. Estela, a Diretora da Escola, da qual a gente morria de medo, só poderia participar do desfile quem estivesse com eles espelhando, numa exigência semelhante à da farda que deveria vir com seus vincos passados e endurecidos de goma.
Na realidade mesmo, o único incômodo que tínhamos nessas ocasiões de festas, era vigilância sanitária, chamada de “asseio”, que as nossas queridas mães costumavam impor à gurizada da época. Ela consistia na retirada do grude encardido em nosso corpo, na limpeza dos ouvidos, no corte das unhas e, por fim, na escovada dos dentes, esta quase sempre esquecida por todos os pirralhos.


Nesse dia, minha expectativa para marchar era tanta, que quase não tomei direito o tradicional café da manhã, composto de café-com-leite e pão sovado (carioquinha), este passado na manteiga da terra.
Uma vez no meio dos demais participantes, vi que nossa querida professora, hoje chamada de “Tia”, também estava tensa, mesmo tendo ensaiado conosco por quase dois meses. Mas ela tinha lá suas razões, pois na nossa faixa etária, entre os sete a doze anos (éramos os mais novos de toda a corporação), a capacidade de concentração em qualquer coisa era muito difícil. Logo todo aquele preparo de vários dias poderia ir para o espaço em questão de minutos.

De repente soou o apito!

Nesse exato instante, a nossa adrenalina, que na época chamava-se tremelica – de tremedeira – foi a mil! As filas, sob os comandos quase militares dos orientadores, foram organizadas!
O ruflar dos tambores e os toques dos clarins ecoaram pelos quatro cantos da Praça da Sé provocando arrepios em toda a escola! Dona Estela, então, estava uma pilha!


Abrindo nosso desfile, apareceu a bandeira nacional sendo portada pelo mais alto dos alunos. Logo atrás, encima de um Jipe, as figuras imitativas de D. Pedro I e da Princesa Izabel despontaram ladeando uma flâmula do nosso símbolo escolar. Antes da banda, para delírio geral da assistência e dos voyeurs, surgiu a baliza. Ela estava linda com seus trajes sumários de soldadinho de chumbo a fazer acrobacias mil com seu bastão quase mágico!


A partir daí os aplausos começaram a ser ouvidos com mais intensidade, pois a evolução do nosso desfile estava no ritmo perfeito. Aliás, cadência melhor, só a do TG – Tiro de Guerra, representatividade essa comandada por um sargento. Confirmando o desempenho, mais uma atração apareceu antes dos pelotões. Ela, pela harmonia de seu trote, provocou novo delírio na multidão: era a cavalaria!


No nosso caso, que estávamos na rabada dos pelotões, pois éramos baixinhos, a gente pensava que iria provocar o mesmo furor quando atingíssemos o corredor de maior concentração popular. Dessa forma, já fazendo pose e nos achando os reis da cocada preta, ficamos aguardando o nosso momento de glória. Enquanto isso, em meio ao prosseguimento do desfile, nossas Tias corriam feito loucas tentando manter o sincronismo, o silêncio e o alinhamento das alas e filas.


Essa preocupação tinha explicação. Naquela época se fazia o desfile da independência por amor e respeito aos acontecimentos cívicos, mas também porque havia premiações nas diversas categorias para as representações participantes. Nesses dias também, a comunidade, cheia de enganos mil, afluía para o centro da cidade vestindo roupas novas, acenando bandeirinhas e demonstrando muito orgulho de ser brasileira.


Aproveitando a festa popular, as autoridades, principalmente os políticos, já de olhos nas eleições futuras, faziam de tudo para ficarem de forma proeminente no palanque. Para o público em geral e desfilantes, no entanto, a comodidade era outra: no calçamento, de paralelepípedo, a temperatura passava dos 40º graus. Finalmente nossa escola atingiu a artéria de maior concentração popular. Foi aí que a banda, com seus quase cinquenta componentes, caprichou nos breques, paradinhas e toques das cornetas. Os pelotões dos rapazes e das moças evoluíram também rua adentro arrebatando elogios pela cadência precisa de seus movimentos. Até então estávamos imbatíveis no desfile. Parecia até que a vitória já estava garantida. Dona Estela, sem caber em si, sorria com todos os músculos, olhos, dentes e cantos da boca.


Finalmente chegou a nossa vez!

Só que, para decepção minha, e de toda a gurizada, a reação do público, a exceção dos nossos familiares, foi bem diferente. Nem bem adentramos na primeira rua, em vez dos aplausos e elogios, o que mais se ouviu foram risadas, piadas e muita gozação.

Uns, ironizando-nos, gritavam: “Lá vem a RABADA!”.

Outros provocavam nosso brio dizendo: “Marchem direito, seus tamboretes de samba!”.
Quem era magro, levava o apelido de sibito baleado, graveto, fiapo, grilo escambichado ou Mané-mago. Os gordos, por suas vezes, eram chamados de bolinha, bolo-fofo, baleia ou bacurim!
Não tinha jeito. Por mais que nos empenhássemos, a chacota sempre comia de esmola.
Agora vocês não queiram imaginar nosso sufoco: com o eco da banda já perdido e ainda por cima desestimulados pelo público que o tempo todo ria de nós, finalmente entramos na rua principal onde estava situada a Comissão Julgadora. A essa altura do desfile, não havia, nos nossos braços e pernas, o menor senso de sincronia e cadência. Nossos olhares estavam perdidos entre o céu e a terra. O converseiro... Bom, esse era incontrolável!


Com o calor que fazia e o cansaço do esforço inicial, nossas blusas saíram das calças e, suadas que estavam, deixaram nossos uniformes em completo desalinho. A mesma desarrumação acontecia em relação aos cadarços dos sapatos com seus nós desfeitos. Os raios solares, implacáveis, deixaram nossos rostos vermelhos como pimentões. Essa bagunça generalizada aguçou, mais ainda, o humor popular que, entre risos e zombarias contínuas, acabou, de vez, com o resto da nossa auto-estima.

Finalmente chegamos ao ponto máximo do desfile que era a cruzada na frente do palanque. A essa altura, para loucura de toda a Diretoria da Escola, tinha menino dando cascudo na cabeça de outro, atirando bolinhas de papel entre si; chorando, trocando de fila e, de uma forma geral, rezando para que tudo terminasse. Como decepção maior, ouvimos das autoridades e comissões presentes, mais risos do que palmas. Até o Padre, e o Senhor Prefeito, caíram na maior das gargalhadas.


Na dispersão, em meio à multidão, muitos voltaram desconsolados para suas casas. Aquela homenagem que nós pequenos pretendíamos dar à nossa Pátria, no dia da sua autonomia, ficou na memória de cada um como uma incoerência... A Independência do “Gigante pela própria natureza” parecia não ser tão séria como deveria. Com o intuito de evitar novos traumas, aos baixinhos e baixinhas do nosso querido Brasil, apelamos aos compatriotas para que, no próximo Sete de Setembro, dia do orgulho nacional, façam diferente:

Aplaudam a Rabada!
.
Texto e foto por Roberto Jamacaru

5 comentários:

Cariricaturas disse...

Roberto,

Adorei o texto.Muito bem humorado e levantando apelidos bem lembrados no humor cratense.

Parabéns por mais esse trabalho.

Abraço,

Claude

João Marni disse...

Roberto,esse texto e otimo,bem humorado e retrata fielmente a "parada do sete de setembro" da nossa epoca.
Abraços
p.s.poste monga ,que tambem e otimo.

Nilo Sergio Monteiro disse...

Roberto meu querido.
Adorei o texto, ri a beça porque também já fui da "rabada".Grupo Escolar Francisco José de Brito. Só não levei a VAIA...bem feito! kkkkkkkkkk
abraços

Maria Amélia Castro disse...

Roberto,

Seu texto retrata com muito humor e detalhes o nosso 7 de Setembro no Crato. Obrigado por fazer avivar nossa menoria.
Parabens
Abraço,
Mara Amelia

Lucíola disse...

Parabéns, descreves perfeitamente o que é particpar de uma "rabada", rí muito lendo e lembrando da época em que viví isso também no Crato.