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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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quarta-feira, 23 de setembro de 2009

PASQUALE FALA SOBRE A REFORMA

TENHO andado Brasil afora para falar da bendita reforma ortográfica. Querem que eu explique o quase inexplicável. Refiro-me às trapalhadas relativas ao emprego do hífen, com as quais as pessoas não se conformam. Como não quero os meus cinco minutos de glória ou de fama, não vou falar da dita-cuja, mas de algumas das perguntas e inquietações que me têm sido apresentadas nesses encontros.

Uma delas diz respeito à incrível confusão que as pessoas ainda fazem entre ortografia e língua. Boa parte da culpa por esse equívoco é da imprensa, que ainda insiste em falar das "mudanças na língua", quando se refere à reforma (sim, reforma, e não acordo -que diabo de acordo é esse, ao qual só o Brasil aderiu?).

O que houve não foi uma mudança na língua, caro leitor. Não se muda a língua por lei, decreto etc. A língua muda, sim, mas não dessa forma.

São seus usuários que promovem as mudanças. Quer um exemplo? Há cem anos, usava-se a forma "presente do indicativo de "ter" + particípio" com valor de pretérito perfeito, o que, por sinal, permanece nas demais línguas neolatinas (com "haver" no lugar de "ter") e no inglês.

Tome-se como exemplo este trecho de um texto publicado em 1895: "Tem havido no mar Negro grande tempestade, naufragando grande número de embarcações. Até agora o mar tem arrojado à praia mais de 80 cadáveres, que estão sendo recolhidos". O excerto foi incluído numa questão do vestibular de 1996 da Unicamp. Pedia-se aos candidatos que transcrevessem desse e de outro texto (publicado em 1995) "as expressões que situam no passado os fatos relatados no passado". Também se pedia ao candidato que redigisse "uma continuação para uma notícia que, escrita hoje, começasse por "Tem havido no mar Negro...”.

No texto "velho", as locuções "tem havido" e "tem arrojado" equivalem, respectivamente, a "houve" e "arrojou" (que aqui tem o sentido de "lançou", "arremessou"). Escrito hoje, um texto que começasse por "Tem havido no mar Negro" poderia continuar com "...vários naufrágios" ou "...um naufrágio por semana".

Na língua de hoje, a forma "presente do indicativo de "ter" + particípio" indica ação repetida, habitual ("Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro", diz a pungente letra de "Sujeito de Sorte", do "sumido" e querido Belchior).

Antes que alguém questione a construção "Tem havido vários naufrágios" ("Não seria o caso de colocar circunflexo em "tem?"), explico que o verbo principal dessa locução é "haver", empregado com o sentido de "ocorrer", caso em que "haver" é impessoal (conjugado, pois, na terceira pessoa do singular - a impessoalidade, no caso de uma locução, é transferida para o verbo auxiliar).

Bem, fui me meter a explicar um exemplo de mudança na língua e quase fico sem espaço para falar do que inquieta as pessoas Brasil afora quando o assunto é a reforma. Cito as presepadas em que nos mete a grafia de algumas duplas. "A reforma não mexeu com isso?", perguntam-me aqui e ali. Não, nem poderia, já que não era esse o propósito do "Acordo" (nome oficial da coisa).

Cito algumas dessas duplas:
"catequese/catequizar", "estender/extensão", "tórax/torácico", "despender/dispendioso", "discreto/discrição", "fêmur/femoral" etc. Cada caso é um caso, mas entram aí alguns fatores, como a etimologia e um ou outro equívoco histórico de gramáticos e lexicógrafos. Problemas e/ou surpresas à parte, resta-nos aceitar a (às vezes aparente) incoerência e memorizar a grafia oficial. É isso.

(Enviado por e-mail)

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