Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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terça-feira, 1 de setembro de 2009

Que me desliguem toda vez que tocar Just for Tonight - por José do Vale Pinheiro Feitosa

Existem coisas que acontecem conosco. Tinha eu dezesseis anos de idade em férias entre dezembro e janeiro de 1964/65. No circuito Juazeiro e Petrolina. Naquele tempo não havia telefonia interurbana. Apenas rádio amador e telegramas. Em certo sábado de janeiro todos fomos para um sítio no vale do Rio Salitre. Uma das primeiras áreas irrigadas do São Francisco. Entontecido pelos amores da adolescência repetia a faixa de um long play com a trilha sonora do filme Hatari. A música Just for Tonight que se encontra aqui no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=hHGGFocDNRY&feature=PlayList&p=2066771E0F2826A2&index=10. Quando retornamos no domingo para a cidade, tão longo descemos do transporte e entramos na casa meu tio passou-me um cabograma do posto da VARIG: dava notícia que minha mãe morrera no sábado. A partir daí varamos a noite nos sertões de Pernambuco até o amanhecer já no Crato. Nunca mais consegui ouvir aquela música e não sou mágico e nem tirado a fantasias. Apenas não me deparei com ela até ontem à noite em paralelo com o que segue:


Simultaneidades desconhecidas,
Quando um amor vago prometia,
A centenas de quilômetros voavas,
E jamais por aqui pousarias.

Enquanto no sítio me divertia,
Apaixonado pela moça de perto,
O teu meio circulante transbordava,
Até o último suspiro e mais nada.

E dancei, com os passos da sedução,
Ainda mais significados pela música,
E noutro passo eras carregada,
Por uma multidão dramática e solene.

Aquela música entalhada no meu peito,
Just for Tonight, Henry Mancini, Hatari,
E nos desdobramentos de uma noite agônica,
Nunca mais ousei ouvi-la posto que prenúncio.

Entre a suavidade da canção de tons francesa,
Elsa Martinelli entre caçadores brutais,
Laçava o rinoceronte livre da minha vida,
Lancetava o plano de minha adolescência.

Nunca mais ousei ouvir aquela música,
Que tempo curto teve Gisélia em vida,
Quanto durei até para o filho gerar a neta,
E aquela mulher sonhadora acordou tão cedo.

Just for Tonight, entre parreiras do Salitre,
E tantos daquele tempo deixaram o tempo,
Como agora, novamente ouvindo-a,
Tangido por nuvens de lampejos.



Um comentário:

socorro moreira disse...

Quando tua mãe morreu , impressionada , eu estive lá. Minha mãe também estava grávida , e eu senti muito medo.
Vi Paulinho, e o acompanhei com o olhar, por muitos e muitos janeiros.
Até que a figura dele sumiu...
Quando meu pai morreu eu já era mãe , criada , e com vida própria.
Não estive no seu velório. Estava a muito mais de mil quilômetros(Bela Vista-MS). Não consegui embarcar, e aquietei-me. A dor me deixou paralizada.
Depois acordei com uma saudade que nunca passou.
Saudade de quem se foi é assim ...Se entranha , se perde na gente, mistura-se com a dor do mundo , que a gente a toda hora sente, e nem sempre entende.
"Só por uma noite ", talvez,tua mãe tenha sofrido; tua paixão adolescente passou... E a saudade dela ficou. Precisamos de muitas danças, muita poesia, risos e pouco sisos, pra sobreviver , ficar vivo. Mesmo assim , um pedaço da gente morto, vai ficando cadia dia mais gordo... Até não só sobrar sequer, uma célula viva. E aí? Aí, a vida continua , nos que ficam.
Lembro vagamente de você naquele dia...
Receba hoje, o meu abraço.