Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

ENVIE SUA FOTO E COLABORE COM O CARIRICATURAS



... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

Para participar, envie suas fotos para o e-mail:. e.
.....................
claude_bloc@hotmail.com

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

BISAFLOR CONTA HISTÓRIAS - Por Stela Siebra Brito

Hoje, dia das crianças, Bisaflor está na VII Bienal do Livro, em Recife, contando histórias na Cidade do Livro, grande espaço criado para teatro de bonecos, contação de histórias e oficina de arte para confecção de livros. Bisaflor encanta muitas crianças, apresentando-lhes histórias fantásticas contadas em tudo quanto é de livro. As crianças pegam os livros, olham as ilustrações e já adivinham a história, ou a criam a seu modo, ou pedem que Bisaflor leia o livro pra elas. É nesse clima mágico que Bisaflor lê uma história linda, de uma menina chamada Guta e que era toda estrelada. A história foi escrita pelo mineiro Leo Cunha:

EM BOCA FECHADA NÃO ENTRA ESTRELA

Guta saiu pra conversar com as estrelas. Todo fim de semana agora era assim. Mal a noite caía – só tinha tropeçado – e Guta lá ia embora. Sítio afora, mistério adentro. Quanto mais escura a noite, melhor. Assim as estrelas desciam mais baixo e mais queriam descer. E o bate papo batia, até o sono bater.
Os pais se enchiam de ais. O pai roía a unha, a mãe mordia a fronha.
- Aonde vai essa menina?
- De novo com essa conversa de conversar com as estrelas?
- Não aprendeu na escola que elas moram longe demais, a séculos de anos-luz?
Tinha aprendido sim. Sabia tudo, tintim por tintim. Mas depois, no quadro negro da noite, Guta aprendia outra lição. É que as estrelas desciam, voando em sua direção. Chegavam bem perto, a um metro, a um segundinho-luz. Semana passada, uma quase pousou no seu ombro.
A família estava uma pilha. O pai preparava um calmante, a mãe não parava um instante.
- Filha, toma cuidado com as criaturas da noite! É cobra venenosa, barata pegajosa, coruja metida a prosa...
- É tatu mal-assombrado, sapo desencantado, coiote enluarado...
Mas Guta, de tão estrelada, não via perigo em nada. Nunca via aquelas criaturas nas suas andanças escuras. Só via mesmo as estrelas, e não se cansava de vê-las. Vinham dos ares e vinham dos montes, vinham aos montes e milhares, só pra brincar com ela. Eram suas convidadas, suas confidentes.
Guta contava histórias e inventava segredos. Desfiava memórias e desafiava seus medos. E falava até cansar, que estrela é bicho calado e gosta de escutar.
Biruta. Guta Biruta. O pai pensou em mandá-la pro hospício. A mãe achava a cura difícil.
- Essa menina vive no mundo da lua.
- Pior, no mundo das estrelas.
- Não vê os habitantes arrepiantes da noite...
- Os morcegos e os dráculas..
- Os mancebos e os crápulas...
- Não pode menina tão nova andando sozinha lá fora.
Guta já estava enjoando de tanto conselho absurdo. Os pais não se cansavam de pôr o bedelho em tudo? Os dois mais pareciam agulha emperrada, repetindo os mesmos discos e riscos da noite calada.
Enquanto isso, na calada da noite, os pais confabulavam:
- Guta fica vendo estrelas a um palmo do nariz e acha que as noites são belas, e acha que é feliz.
- Não vê as dezenas de perigos, as centenas de inimigos, os problemas infinitos?
Resolveram proibir a menina de passear à noite, no breu. Assim talvez entendesse que estrela só existe no céu.
Guta ficou trancada no quarto, fazendo sala pro lamento. O sítio lá fora, ela cá dentro. Ficou chorando num canto, num tanto de saudade. Já estava ficando tarde, as amigas deviam estar descendo, ela tinha que fugir... Fugiu.
Quando o pai viu o quarto vazio, sua barriga sentiu o frio.
- Meu Deus, a Guta sumiu!
A mãe não acreditava. Os dois deram pulos de raiva, ficaram fulos da vida. Só viram uma saída: sair atrás da fugida. Sítio afora, receio adentro, pro meio da escuridão. O pai com pistola e facão, a mãe com o terço na mão.
- Nunca vi noite tão escura!
- Como a Guta foi fazer essa loucura?
- Não sei, mulher. Procura!
Guta já estava bem longe, nem ela sabia onde. Estava pra lá da fazenda, estava pra lá de feliz. A noite era toda sua, vazia de lua, cheiinha de estrelas.
Os pais continuavam a busca, saltando de susto em susto. Viam vultos de corujas, coiotes, cobras, baratas, tatus e outros tantos fantasmas. A mãe, branca de tão pasma. O pai, com ataque de asma.
- Hoje até a bruxa deve estar solta.
- Meu Deus, e se a Guta não volta?
Mas, nesse momento, ouviram no vento a voz fina da menina.
- Escuta, é a voz da Guta!
- Com quem ela tanto fala?
- Com uma estrela cadente? Impossível!
- Com ma amiga carente? Duvido!
Descrentes e indiscretos, os dois chegaram mais perto. Ao fundo, sozinha no mundo, Guta tagarelava. E, em frente ao seu rosto, uma luz pisca-piscava.
- Não é amiga nem estrela coisa nenhuma!
- Ela está conversando é com...
Guta ouviu os pais. Tentou correr, não dava mais. Os dois já estavam ao seu lado. A estrela, amedrontada, voou para longe dali.
- Vocês espantaram a estrela!
- Não era estrela, filha, era só um vagalume...
- Um inseto que brilha, uma luz que surge e some.
Guta ficou calada. Os pais não entendiam nada. Aquele era um bicho encantado: tinha engolido uma estrela, era também estrelado. Por isso se entendiam.
Podiam chamá-la de louca, de biruta, de tonta ou de iludida. Não se importava mais, estava mais que decidida: ia continuar saindo, todo sábado e domingo, sítio afora, aventura adentro. E cada vez mais tagarela: em boca fechada não entra estrela.

Um comentário:

socorro moreira disse...

Estrelas, a gente só engole o brilho.
E fica iluminada com elas !