O leitor, certamente, deve conhecer vários personagens que podem ser incluídos em qualquer um dos grupos. De outra feita já me detive um pouco no estudo da pabulagem desenfreada que aqui entre nós fornece material para um verdadeiro tratado. Aproveito este sábado para desenterrar a outra face da moeda. Inspirado talvez em Fernando Pessoa que já havia gritado ao mundo no seu “Poema em linha reta” : Arre, estou farto de semideuses! / Onde é que há gente no mundo? Pois bem, hoje vamos falar de pessoas capazes de pecados, de enxovalhos, do ridículo, da vergonha, do atropelo, do achaque. Gente !
É que a vida, amigos, esta enxurrada de surpresas, é muito mais escrita em curvas e encruzilhadas do que na perfeição inflexível da semi-reta. E, se existe uma mão superior que traça os destinos e consegue pôr retidão em fatos desencontrados e estapafúrdios, para nós , simples mortais, esta planície é, a maior parte das vezes, perfeitamente imperceptível. Sobram-nos os vales e as depressões.
Chamava-se Zenaldo. O próprio nome, meio grego, como que previa uma primeira ironia que o haviam lhe pespegado logo no nascimento. Zenaldo colecionava suas gafes desde a infância e as contava sem nenhuma raiva, sem nenhum remorso, e, mais : sem demonstrar quaisquer sinais de predestinação. No íntimo sabia que os atropelos existiam igualmente entre todos, a única diferença é que uns relatavam, como ele, e outros não. Pois vou contar uma das suas clássicas histórias. Estudava Medicina em João Pessoa. Viera passar as férias no Cariri, em julho. Terminada a exposição, arrumou os teréns para a viagem de volta. Pegou o velho ônibus, o famoso pinga-pinga. Aquele que não pode avistar ninguém próximo à estrada que pára tentando convencê-lo a viajar. Pois bem, ia sentado junto com um colega, ele do lado da janela. O Cata-Corno, como o ônibus é carinhosamente chamado entre os estudantes, ia fazendo suas paradas regulares nas diversas cidades : Juazeiro-Barbalha-Missão Velha-Milagres, etc. O percurso prometia. Iam entrando várias colegas, igualmente de volta aos estudos na capital paraibana. Zenaldo começou a esticar os olhos para uma e outra, enquanto , passou a endereçar o papo com o colega vizinho para uma área mais específica dos seus estudos, num tom um pouco mais alto que o normal. Uma técnica que devia ter aprendido com os camelôs. Na parada em Barro, resolveu exercitar uma modalidade radicalíssima de esporte: o salto por sobre a coxinha de rodoviária. E existe coisa no mundo mais perigosa ? Fabricada sabe-se Deus como e quando, o usuário, de passagem, sequer tem o direito sagrado de voltar e reclamar no DECON. A bomba relógio , armada no seu tic-tac incessante, vai acabar o estopim bem adiante, bem longe do raio de ação do vendedor.
Passando em Cajazeiras, Zenaldo começou a sentir as primeiras contrações do parto. Subestimou a carga de megatons que carregava na barriga e continuou se enxerindo para as colegas, fazendo gracinhas, soltando chacotas e piadinhas. Lá para as tantas, veio uma contração um pouco mais forte. Ele imaginou tratar-se apenas de uma lufada de vento intestinal. Temeu pelos odores que poderiam denunciar , mas, de qualquer maneira, seria impossível culpar alguém. Não haveria provas suficientes para imputar o crime a qualquer um dos cinqüenta e tantos passageiros da sopa. O grande problema é que a bomba H armara-se com nitrogênio líquido, Zenaldo se abestalhou com o controle de qualidade e a pressão do turbo. Ao invés da nuvem de fumaça química, a contração fez nascer um afluente do Rio Grangeiro, com suas águas turvas e pútridas. Zenaldo, literalmente, borrou-se todo. A seqüência de fatos, a partir daí, é bem previsível. A fedentina tomou de assalto a lotação. Zenaldo suava em bica. De repente os passageiros gritavam : “Ei, fecha a porta do banheiro aí, pessoal, que alguém morreu lá dentro e não foi enterrado!” Afastada a possibilidade da contaminação vir do banheiro, todo mundo começou a virar os pés e observar cuidadosamente se os sapatos não estavam calebreados de binga. Zenaldo, cada vez mais tenso, descobriu que as possibilidades se esgotavam. Cochichou, então para o colega vizinho e contou a tragédia ocorrida. Pediu para ele tirar uma toalha da bolsa que estava no bagageiro logo acima. O colega solidarizou-se com ele e cumpriu o pedido. Chegando em Patos, já sob a desconfiança geral dos outros passageiros, ele levantou-se, amarrou a toalha na cintura, tirou a bolsa e saiu, arrasado, sob o coro terrível e humilhante das meninas que pensara em conquistar:
---- Cagou ! Cagou! Cagou !
É , e não tinha sido goma ! Retirou o resto da bagagem. Avisou ao motorista que ia ficar por ali mesmo. Procurou um posto de gasolina próximo. Contou ao funcionário a tragédia acontecida e negociou um banho reparador. Jogou as roupas bombardeadas no lixo. Voltou para a rodoviária, novo, restabelecido, com a auto-estima de novo nas nuvens. Tomou o próximo ônibus como se nada houvesse acontecido. Quem sabe não lhe caberiam agora outras coxinhas , mais rechonchudas e menos reimosas ?
J. Flávio Vieira
4 comentários:
Rindo, rindo, rindo muito !!! É que a gente lembra de n situações. E agora ? Vou ligar pra mamãe .
Meu camarada,
tua fina ironia
é um bálsamo que cura
as mais desastrosas fininhas...
Um forte abraço.
Grande abraço à Socorro e ao Domingos pela requintada "audiência".
Grande abraço à Socorro e ao Domingos pela requintada "audiência".
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