Ler biografias é um hábito recente (meu). Via biografias sempre ou como discursos idólatras redigidos por um fã do biografado ou como extensas diatribes de rivais, invejosos, afins. Era uma visão muito simplista da coisa, confesso a você. Um perfil, um resumo biográfico ou mesmo uma cronologia da vida de um autor, por exemplo, eram o máximo a que prestava atenção. Ultrapassasse três páginas, já não me interessava mais. Só a obra me interessava. Mas a coisa mudou um bocado.
A primeira biografia que li foi O anjo pornográfico ― A vida de Nelson Rodrigues, escrita pelo Ruy Castro. Isso foi há pouco mais de dois anos. Hoje, vejo que comecei bem nessa área e me pergunto por que não havia me interessado por biografias antes. Agora, o meu critério maluco em escolher uma biografia pra ler não é com base na personalidade biografada, mas no biógrafo. (É um critério que recomendo veementemente a você.) Quanto mais historiador ele for, melhor. É uma maneira de combater uma rusga antiga, antiquíssima, que tenho com livros de história: é tudo muito abstrato.
Digo, em livros de história é muito comum ter frases do tipo "assim a classe artística sentiu o perigo que...", "era proibido à sociedade da época pensar que...", "o clero viu ali uma oportunidade de ouro para..." ― classe, sociedade, clero, esse coletivos usados deliberadamente me deixam transtornado. Livros como Rumo à Estação Finlândia fazem muito mais sentido em estudos históricos. A História é feita de gente, e eu quero ver gente, seres humanos em livros de História, não conceitos. Sempre que leio qualquer coisa relativa à I Guerra Mundial fico meio aborrecido porque os autores parecem não se interessar pelo ser humano, pelo indivíduo Gavrilo Princip, o assassino do Arquiduque Franz Ferdinand da Áustria, que, sozinho, foi lá e matou o arquiduque e sua esposa. Assim começou a I Guerra.
Essa minha visão individualista de ver a História tem lá seus furos, digamos, metodológicos. Quando os historiadores usam coletivos e/ou conceitos, muita coisa é resumida numa frase, muito tempo é comprimido e, conceitualmente, a coisa pode até ficar mais lógica dada a codificação linguística, a valoração intelectual e outras falácias. O problema é que eu gosto de histórias, sobretudo de histórias da História, então biografias são um ótimo remédio. Sobretudo aquelas cujos biógrafos vão além das diatribes e das bajulações.
É o caso do já citado Ruy Castro, o óbvio que dispensa comentários, idem Fernando Morais. No caso de Castro, as biografias que escreveu de Nelson Rodrigues e Garrincha (ainda não li a da Carmen Miranda) não se resumem aos personagens título. São, também, a História do teatro brasileiro e da era romântica do nosso futebol. Sem contar com o estilo magnífico do Ruy.
Depois da minha primeira experiência com Ruy, prossegui lendo biografias sempre interessado mais no biógrafo. Daí acabei lendo vidas que nunca imaginei ler. Pior, acabei sentindo até admiração por algumas às quais dedicava pensamentos negativos. Exemplo: Che Guevara. Não gostava dele e, quando via alguém vestido com aquela foto que o Korda tirou dele, eu tentava fingir que minha pena era compaixão. Mas li a biografia escrita pelo Jon Lee Anderson (muito melhor que a escrita pelo Jorge Castañeda). Além de biografia, é um livro que fala de toda a América Latina sob a influência norte-americana, da ascensão do comunismo e suas divergências intrapolíticas (comunismo russo e comunismo chinês), da economia polarizada em blocos etc. etc. Até comprei uma camisa com o Che estampado nela, veja você.
Desde então, entre uma literatura e outra, devoro uma biografia. Algumas me surpreenderam muito. A do Ulysses Guimarães escrita pelo Luiz Gutemberg, por exemplo. Estilo claro, corrido, uma história de verdade, cheia de intriga, mistério, suspense etc. e tal ― mas pouco sexo. Mesmo assim é um ótimo livro.
De repente, me peguei lendo Maysa ― Só numa multidão de amores, do Lira Neto. Achei fantástica essa biografia. Fiz uma breve pesquisa antes, sobre qual biografia dela comprar e, pelo menos dessa vez, todas as críticas que li estavam certas em dizer que esta é a melhor já escrita sobre a cantora. O autor, Lira Neto, já é um dos meus prediletos. Ele pode escrever a biografia de quem for ― eu a lerei, e recomendo o mesmo a você. Dele também é Inimigo do Rei, a bio do José de Alencar. Um espetáculo de livro. (Já estou ansioso pra ler a próxima dele, do Padre Cícero.) Além do mais, a Maysa era fascinante. Na minha opinião, ela foi um modelo de ética artística. Até então só a ouvira cantando a batida "Ne me quitte pas"; hoje reconheço a importância dela na nossa música, tenho uns CDs dela e a acho uma ótima cantora. Infelizmente, a série de tevê não me atraiu. Não foi feita para os telespectadores da nossa geração (tenho 28), mas pra quem a viu, quem foi contemporâneo dela. Daí o jeitão novelesco e adramalhado à mexicana de fazer a coisa, acredito eu.
Minhas mais recentes apaixonites biográficas são Johann Sebastian Bach (3 vols.), de Philipp Spitta (por "indicação" de Otto Maria Carpeaux); The Life of Samuel Johnson, de James Boswell; e James Boswell: The Earlier Years 1740-1769, de Frederick A. Pottle. São jóias culturais.
Nota do Editor
Guilherme Montana mantém o Guilherme Montana, blog.
Guilherme Montana
Brasília, 18/2/2009
A primeira biografia que li foi O anjo pornográfico ― A vida de Nelson Rodrigues, escrita pelo Ruy Castro. Isso foi há pouco mais de dois anos. Hoje, vejo que comecei bem nessa área e me pergunto por que não havia me interessado por biografias antes. Agora, o meu critério maluco em escolher uma biografia pra ler não é com base na personalidade biografada, mas no biógrafo. (É um critério que recomendo veementemente a você.) Quanto mais historiador ele for, melhor. É uma maneira de combater uma rusga antiga, antiquíssima, que tenho com livros de história: é tudo muito abstrato.
Digo, em livros de história é muito comum ter frases do tipo "assim a classe artística sentiu o perigo que...", "era proibido à sociedade da época pensar que...", "o clero viu ali uma oportunidade de ouro para..." ― classe, sociedade, clero, esse coletivos usados deliberadamente me deixam transtornado. Livros como Rumo à Estação Finlândia fazem muito mais sentido em estudos históricos. A História é feita de gente, e eu quero ver gente, seres humanos em livros de História, não conceitos. Sempre que leio qualquer coisa relativa à I Guerra Mundial fico meio aborrecido porque os autores parecem não se interessar pelo ser humano, pelo indivíduo Gavrilo Princip, o assassino do Arquiduque Franz Ferdinand da Áustria, que, sozinho, foi lá e matou o arquiduque e sua esposa. Assim começou a I Guerra.
Essa minha visão individualista de ver a História tem lá seus furos, digamos, metodológicos. Quando os historiadores usam coletivos e/ou conceitos, muita coisa é resumida numa frase, muito tempo é comprimido e, conceitualmente, a coisa pode até ficar mais lógica dada a codificação linguística, a valoração intelectual e outras falácias. O problema é que eu gosto de histórias, sobretudo de histórias da História, então biografias são um ótimo remédio. Sobretudo aquelas cujos biógrafos vão além das diatribes e das bajulações.
É o caso do já citado Ruy Castro, o óbvio que dispensa comentários, idem Fernando Morais. No caso de Castro, as biografias que escreveu de Nelson Rodrigues e Garrincha (ainda não li a da Carmen Miranda) não se resumem aos personagens título. São, também, a História do teatro brasileiro e da era romântica do nosso futebol. Sem contar com o estilo magnífico do Ruy.
Depois da minha primeira experiência com Ruy, prossegui lendo biografias sempre interessado mais no biógrafo. Daí acabei lendo vidas que nunca imaginei ler. Pior, acabei sentindo até admiração por algumas às quais dedicava pensamentos negativos. Exemplo: Che Guevara. Não gostava dele e, quando via alguém vestido com aquela foto que o Korda tirou dele, eu tentava fingir que minha pena era compaixão. Mas li a biografia escrita pelo Jon Lee Anderson (muito melhor que a escrita pelo Jorge Castañeda). Além de biografia, é um livro que fala de toda a América Latina sob a influência norte-americana, da ascensão do comunismo e suas divergências intrapolíticas (comunismo russo e comunismo chinês), da economia polarizada em blocos etc. etc. Até comprei uma camisa com o Che estampado nela, veja você.
Desde então, entre uma literatura e outra, devoro uma biografia. Algumas me surpreenderam muito. A do Ulysses Guimarães escrita pelo Luiz Gutemberg, por exemplo. Estilo claro, corrido, uma história de verdade, cheia de intriga, mistério, suspense etc. e tal ― mas pouco sexo. Mesmo assim é um ótimo livro.
De repente, me peguei lendo Maysa ― Só numa multidão de amores, do Lira Neto. Achei fantástica essa biografia. Fiz uma breve pesquisa antes, sobre qual biografia dela comprar e, pelo menos dessa vez, todas as críticas que li estavam certas em dizer que esta é a melhor já escrita sobre a cantora. O autor, Lira Neto, já é um dos meus prediletos. Ele pode escrever a biografia de quem for ― eu a lerei, e recomendo o mesmo a você. Dele também é Inimigo do Rei, a bio do José de Alencar. Um espetáculo de livro. (Já estou ansioso pra ler a próxima dele, do Padre Cícero.) Além do mais, a Maysa era fascinante. Na minha opinião, ela foi um modelo de ética artística. Até então só a ouvira cantando a batida "Ne me quitte pas"; hoje reconheço a importância dela na nossa música, tenho uns CDs dela e a acho uma ótima cantora. Infelizmente, a série de tevê não me atraiu. Não foi feita para os telespectadores da nossa geração (tenho 28), mas pra quem a viu, quem foi contemporâneo dela. Daí o jeitão novelesco e adramalhado à mexicana de fazer a coisa, acredito eu.
Minhas mais recentes apaixonites biográficas são Johann Sebastian Bach (3 vols.), de Philipp Spitta (por "indicação" de Otto Maria Carpeaux); The Life of Samuel Johnson, de James Boswell; e James Boswell: The Earlier Years 1740-1769, de Frederick A. Pottle. São jóias culturais.
Nota do Editor
Guilherme Montana mantém o Guilherme Montana, blog.
Guilherme Montana
Brasília, 18/2/2009
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