Lei
Bisões não têm ressaca.
Mas gralha quando bebe
amanhece péssima:
os olhos taciturnos
o bico emudecido,
dá dó.
Portanto,
gralha que sou
evito o primeiro copo.
Equilíbrio
Somente por hoje
perdoa-se a sombra
o fantasma
aquele inimigo distante.
Bebamos um pouco de vinho
para amolecer nosso espírito.
Não sejamos tão duros
quanto uma porta
tão teimosos
feito uma mula.
Basta girar o trinco.
Basta um afago nas ancas.
Somente por hoje
farei de conta
que a vida é bela:
ninguém precisa
um cuidar do outro.
Bastar trocar presentes.
Reatar laços.
Apertar nós.
Quem sabe no final da noite
surpresa boa:
uma namorada
inteligente
com muita carne
nas coxas.
Outro Olhar
Mesmo que os sorrisos das pessoas
digam-me o contrário.
Tragédia é depois dos abraços
quanto cinismo despertado
a cada taça de vinho.
O coração aumenta de tamanho
por novas mágoas até ontem esquecidas.
Mesmo que os sorrisos das pessoas
digam-me o contrário.
O desgosto é claro
no bocejo enfadonho
quando a festança acaba.
Dor nas costas,
mil louças na pia
ainda tem o ano novo,
vontade louca enforcar os parentes
também os penetras
e outros tantos vizinhos.
Mesmo que os sorrisos das pessoas
digam-me o contrário.
O Clima
I
Vejo gafanhotos
exibindo belos adornos
nas longas patas
minhocas acordam da terra fofa
com os olhos contentes
quem diria até o diabinho
encosta seu tridente
aceita tomar um cafezinho
em companhia da sua antiga vítima.
Quanta delicadeza entre os vizinhos
nunca se falaram sequer um bom dia
mas reina o clima natalino
abrem a guarda
dão-se trégua
até o anjinho perdoa aquele sujeito
do primeiro andar
místico descarado
um esquisitão confesso.
II
Vejo borboletas em paz
dentro do casulo
não precisam entrar pelas janelas
hoje é o poeta que bate à porta.
Por favor, nada de vinho
tampouco panetone
só quero mesmo
ver como fazem vocês
para pintar essas cores.
Estive tão ocupado
escrevendo versos
nunca lhes toquei as asas
nem o milagre vi de perto.
III
Vejo as bijuterias da minha irmã
balançando com o vento.
Atrás o sol me olha
na fachada do outro prédio.
Postado por Domingos Barroso às 09:53 0 comentários
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
Humanidade
Às vezes escrevo um poema
que falta o fundamental:
a Poesia.
Leio, leio, leio
e nada acontece:
o morto não move os dedos,
a flor não desabrocha.
Apenas aquela sujeira comum
debaixo da geladeira.
Domingos Barroso
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