Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Poemas de Domingos Barroso

Lei

Bisões não têm ressaca.

Mas gralha quando bebe
amanhece péssima:

os olhos taciturnos
o bico emudecido,

dá dó.

Portanto,
gralha que sou
evito o primeiro copo.

Equilíbrio

Somente por hoje
perdoa-se a sombra

o fantasma
aquele inimigo distante.

Bebamos um pouco de vinho
para amolecer nosso espírito.

Não sejamos tão duros
quanto uma porta

tão teimosos
feito uma mula.

Basta girar o trinco.
Basta um afago nas ancas.

Somente por hoje
farei de conta
que a vida é bela:

ninguém precisa
um cuidar do outro.

Bastar trocar presentes.
Reatar laços.
Apertar nós.

Quem sabe no final da noite
surpresa boa:

uma namorada
inteligente

com muita carne
nas coxas.

Outro Olhar

Mesmo que os sorrisos das pessoas
digam-me o contrário.

Tragédia é depois dos abraços
quanto cinismo despertado
a cada taça de vinho.

O coração aumenta de tamanho
por novas mágoas até ontem esquecidas.

Mesmo que os sorrisos das pessoas
digam-me o contrário.

O desgosto é claro
no bocejo enfadonho
quando a festança acaba.

Dor nas costas,
mil louças na pia

ainda tem o ano novo,
vontade louca enforcar os parentes

também os penetras
e outros tantos vizinhos.

Mesmo que os sorrisos das pessoas
digam-me o contrário.

O Clima

I
Vejo gafanhotos
exibindo belos adornos
nas longas patas

minhocas acordam da terra fofa
com os olhos contentes

quem diria até o diabinho
encosta seu tridente

aceita tomar um cafezinho
em companhia da sua antiga vítima.

Quanta delicadeza entre os vizinhos
nunca se falaram sequer um bom dia

mas reina o clima natalino
abrem a guarda
dão-se trégua

até o anjinho perdoa aquele sujeito
do primeiro andar

místico descarado
um esquisitão confesso.

II
Vejo borboletas em paz
dentro do casulo

não precisam entrar pelas janelas
hoje é o poeta que bate à porta.

Por favor, nada de vinho
tampouco panetone

só quero mesmo
ver como fazem vocês
para pintar essas cores.

Estive tão ocupado
escrevendo versos

nunca lhes toquei as asas
nem o milagre vi de perto.

III
Vejo as bijuterias da minha irmã
balançando com o vento.

Atrás o sol me olha
na fachada do outro prédio.
Postado por Domingos Barroso às 09:53 0 comentários
quarta-feira, 23 de dezembro de 2009
Humanidade

Às vezes escrevo um poema
que falta o fundamental:
a Poesia.

Leio, leio, leio
e nada acontece:

o morto não move os dedos,
a flor não desabrocha.

Apenas aquela sujeira comum
debaixo da geladeira.

Domingos Barroso

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