As seis horas da tarde já se encontrava na Praça da Sé sentado num banco em frente a fonte luminosa, cigarro no dedo e fumaça no ar. Aguardava escurecer para acender as luzes e ligar o motor para movimentar as águas. Ao som de Strauss, Vozes da Primavera orquestrada pela Sinfônica Hamburgo, na regência de Pietro Di La Coronna as águas pareciam dançar no colorido suave que tingia o espaço de azul, verde, amarelo e vermelho entre movimentos ritmados. Orgulhoso, diante da sua obra, sonhava acordado e se deixava levar pela música que invadia a praça e os corações apaixonados espalhados pelos bancos nos cantos sombrios. Era uma beleza única na Princesa do Cariri e foi comparada as grandes fontes luminosas de Madrid e Portugal.Depois do jantar tinha ponto certo na Siqueira Campos para encontrar os amigos, politicar, falar sobre a cidade e seus governantes, novidades Brasil a fora e o mundo moderno com a sua atualidade.
A noite se estendia e a cidade começava a fechar suas portas. As senhoras guardavam as cadeiras da calçada, os namorados se despediam e aos poucos o silêncio e a paz invadiam ruas e praças. Aqui e ali se ouvia o roncar dos motores de algum carro apressado no rumo para a infidelidade matrimonial noturna. Mas ele continuava ali no meio da noite. Podia contar as estrelas e ver os cometas passarem com rabos de fogo riscando o céu. Dizia que as pessoas não sabiam admirar a beleza da noite, o céu estrelado com sua brisa suave todos os meses do ano e iam dormir deixando para trás a maior maravilha do mundo. Uma noite estrelada. Dificilmente encontrava um companheiro até o amanhecer do dia, a não ser o velho guarda noturno com seu apito cauteloso garantindo a segurança do sono tranquilo.
Era um tempo de paz, não existia o perigo. Quando a fome apertava, somente um lugar não tinha portas a fechadas: o restaurante "O Nenen", onde comia panelada, mucunzá, torresmo e feijoada dizendo que estômago não sabia se era noite ou dia.
Ao amanhecer, voltava para casa e o sono tomava conta do corpo do boêmio incorrigível. A mulher já o tinha posto pra fora do quarto, pois nunca se acostumou com seus horários.
Certa vez, surge bem cedo uma cliente apressada em bater um retrato para um documento importante e já entra gritando alto...
_Seu Julio estáaaaaaaaaaaaa.......
E o netinho corre apressado em busca do avô que ainda não pegara no sono.
_ Diga que não estou !
Rapidamente o menino volta e diz com todas as letras em bom tom...
_ Vovô mandou dizer que não está !
A cliente dá uma risada e fala...
_ Se mandou dizer que não está, é porque está !
E se ouve a voz forte e grave do boêmio vinda lá de dentro do quarto num tom aborrecido.
_ Estou, mas não quero estar !
Edilma Rocha
5 comentários:
Que maravilha !
Penso no meu avô Alfredo, amigo do Seu Júlio...!
Eita, Edilma!
Só se for Seu Júlio mesmo! A cara dele!!!! (rindo muito)
Abraço,
Claude
Socorro e Claude,
Quanta historia ainda temos pra contar da vidinha do Crato, Granjeiro, Serrano, Lameiro, Serra Verde, Assaré, Juazeiro, Guaribas, Dom Quintino, Araripe, e nossa serra verde azulada.
Um dia eu conto....
Tem é coisa...
Beijo !
Edilma,
a prosa mais visual
simples e verdadeira,
acredite, é a mais difícil
de escrever. Porque nasce
em uma fonte mágica.
Tal fonte, creia,
é rara.
Tua escrita uma belíssima descoberta
a cada leitura que faço
da tua alma.
Carinhoso abraço.
Domingos Barroso,
Só você mesmo para descobrir tal fonte na minha alma.
Obrigada pelo carinho !
Abraço !
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