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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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quinta-feira, 10 de junho de 2010

As desventuras de um metrossexual em Matozinho

Solano era o primogênito do Coronel Sinfrônio Arnaud. Cresceu em Matozinho e, aí pelos dezoito anos, foi deportado para capital. Garotão encharcado de hormônios, aficionado de um aguardentizinho e de uma serenata, metia-se frequentemente em confusões. O velho Sinfrônio, ainda adepto de uma pedagogia pré-piaget , não brincava em serviço: Solano pagava tim-tim por tim-tim todas as danações, sob lapada de cipó de mufumbo. Para Arnaud as coisas estavam resolvidas, enquanto o couro do espinhaço de Solano agüentasse peia, podia se danar à vontade. O problema é que apareceu um crime já não mais passível desta penalidade e que , inclusive, arriscava ser julgado por um outro fórum bem mais rígido. Solano começou um namorico com a filha de um pistoleiro profissional da região: Caninana. O homem carregava mais de cinqüenta mortes nos lombos. Pois não é que o satanás cutucou Solano e ele terminou bulindo com a filha do cangaceiro?
Arnaud , do alto da sua experiência, percebeu claramente que a sorte de Solano já estava selada. Caninana parecia tranqüilo, não boatou, não fez munganga. O coronel, no entanto, sabia que ele apenas ,ofidicamente , armava o bote. É que estava em condicional e precisava deixar as coisas arrefecerem e a vingança imediata daria muito na vista, ainda mais se tratando de um filho do coronel. Na melhor das hipóteses, no entanto, Solano, mais cedo ou mais tarde, passaria por um ritual de capação com faca cega, daquelas usadas para cortar sabão. E nem mesmo lavando a honra da moça em límpidas águas de matrimônio, se livraria da pena. Sinfrônio, então, rapidamente, optou pelo exílio e mandou Solano estudar na capital, para nunca mais voltar em Matozinho.
Solano partiu meio a contragosto. Mas, que jeito? Matriculou-se num colégio famoso, já com ordens do pai : só dê notícias quando for doutor advogado ! O menino, no entanto, nunca fora muito chegado aos livros. Levava mais pau do que bola de sinuca. Quando Arnaud descobriu a vida boêmia do filho, cortou o abastecimento de fundos: “ se não quer estudar, se vire e procure emprego!”. Solano, sem oxigênio, valeu-se dos amigos da noite e terminou arranjando uma colocação em um Cassino, como porteiro. Jeitoso, imprimia confiança aos amigos e findou subindo rápido de função: virou croupier. Sim, amigos, o croupier é aquele que , na mesa de bacará e Black-jack dá as cartas aos jogadores. O filho de Sinfrônio aprendeu com presteza sua nova função. Solícito, educado, tratava a todos com lhaneza, mas mantinha o distanciamento necessário à sua função, compreendia que não era psicólogo nem assistente social . Cassino arrastava um sem número de frustrados-desesperados-esperançosos e que ali batiam , muitas vezes, em busca da última jogada da sua vida. O certo é que Solano, com os anos ,transformou-se num grande croupier e amealhou um salário digno da função a que se atirara. Nas horas de folga, levava a mesma vidinha de sempre, cheio de namoradas, fugia do casamento como o cão da carrocinha. E mais ! Vaidoso, usava roupas da moda e das melhores grifes e não largava o salão de beleza.Até se submetera a uma plástica para corrigir um desvio do nariz que o atanazava desde o nascimento e que, em Matozinho, lhe levara ao apelido de “Tucano”.
Em Matozinho, os quinze anos do exílio de Solano, passaram bem mais lentos do que na capital. O coronel agora já velho, sentindo a velha da foiçona arrodeando, voltou a sentir saudades do filho. Soube que Caninana já havia sido eliminado pelo veneno de uma serpente mais nova. A mocinha, um dia ofendida por Solano, já casara e puxava uma récua de filhos. Mandou , então, um mensageiro à capital, no intuito de fazer uma aproximação , já que Solano tocava a vida com remo próprio.
Solano voltou nas férias e o velho o recebeu de braços abertos. Com festa regada a fogos, a boi na brasa e alambique aberto. Em Matozinho, por mais de uma semana, não se comentava outro assunto. O filho pródigo teve que se desdobrar para que as pessoas entendessem os meandros da sua profissão, numa terra em que jogo era pif-paf, sueca e relancim.
Com o passar dos dias, Solano deixou de ser novidade e passou a fazer parte da paisagem natural da cidade. Os matozenses passaram então a observar hábitos estranhos do nosso visitante. Essa história de ir pro salão de beleza, fazer sobrancelha, pelar o sovaco, tirar cutículas da unhas... Sei não, hein ? Isso não é coisa de homem não ! Sussurravam as más línguas pelos cantos. O velho Arnaud, também, pressionado pelos amigos, pegou ar na bomba. Deu uma dura no filho. Solano, no entanto, foi firme, disse que aquilo nada tinha a ver com viadagem, era coisa de homem moderno e deu até um nome pomposo para o dito cujo : o que eu sou, papai e os outros morrem de inveja , é um metrossexual.
Diante do palavrão, Arnaud folheou o “pai de nós todos” e lá encontrou o verbete. Ficou mais tranqüilo, embora ainda com a pulga detrás da orelha. Tinha ao menos um argumento para defender o rebento dos comentários maldosos. As fofocas, no entanto, não terminaram por aí, até porque Solano manteve seus hábitos refinados, naqueles confins de mundo. Dois fatos terminaram por dar uma bunda canastra no retorno de Solano.
Semana passada, ele se meteu numa buchada de bode e foi bater na Botica de Janjão, com uma dor de barriga de se contorcer. A notícia que correu em Matozinho é que tinha sido uma cólica menstrual, aliás metrossexual. Logo depois, Gilda Büdchen, um travesti de Bertioga, veio a Matozinho resolver uma pendência com seu marido. Desfilava deslumbrante pela cidade sob os apupos, como sempre, da população: “bicha! Veado! Baitola!” Gilda, poderosa, rodou dos seus saltos e gritou :
--- Respeite a nega aqui, ó gentalha ! Agora, pobreza, o nome é metrossexual !
Depois desses fatos, um Sinfrônio chateado procurou o filho e, de comum acordo, resolveram que já era hora de Solano voltar à capital. Aquilo não era lugar para uma pessoa fina e educada como ele, viver. Solano ainda lembrou as encruzilhadas do destino, da primeira vez se exilara porque ofendera alguém, agora tinha que novamente partir porque fora ofendido. Na despedida o velho Sinfrônio abraçou o filho e lhe deu toda a razão, ali era o fim do mundo, morava um povinho atrasado e linguarudo, mas , mesmo assim, antes do embarque de Solano, pelo sim, pelo não, o advertiu:
--- De qualquer maneira, cuidado, meu filho! Você trabalha como croupier, dando as cartas todo dia ! Preste atenção, menino, distribua todas as cartas do baralho, mas cuidado para não dar o ás de copas por aí, joviu ?

J. Flávio Vieira

6 comentários:

Edilma disse...

Dr. José,

Adoro ler seus contos, sempre cheios de humor e palavriados matutos.
Texto epetacular !
Não demore tanto a aparecer por aqui viu menino.....

Grande abraço !

Domingos Barroso disse...

Zé Flávio,
conto massa.

O sarcasmo de sempre.
(ainda mais genuíno)

Personagens vivos.
Ainda ouço suas vozes.

Tu sabes contar uma estória
com maestria.

Perfeito.

Forte abraço.

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

O Zé pegou a palavra Metrossexual e vai como uma mandala contruindo uma trama compatível com seu Matosinho.

jflavio disse...

Abraços à Edilma, ao domingos e ao Zé do Vale leitores tãoa assíduos dessas potocas das quintas feiras

Claude Bloc disse...

Zé Flávio, suas "potocas" encantam e sustém no seu leitor um revigorado bom humor.

Por isso todos gostam de lê-lo, inclusive eu.

Abraço,

Claude

jflavio disse...

abraço à profa Claude que já , profissionalmente, se vê na necessidade de ler tantos textos e ainda tem a paciência de adentrar nestas linhas desalinhadas de final de semana.