Quantas delícias perco.
Tomo sorvete como se comesse capim.
O prazer da fértil mijada
agora um olhar assustado.
Rumino.
Papada flácida pelo pescoço.
Olhar grave.
Cenho enrugado.
Preciso com urgência
colar o vaso de porcelana.
Um quebra-cabeça.
Não estourar os miolos.
Quanta vida desperdiço.
Bebo água como se morresse.
Não é bom tanta sede.
Pasto.
Preciso encher o aquário.
O peixinho me olha aflito.
Tentarei novamente
ensinar xadrez
ao meu filho.
O garoto prefere
playstation.
Belo o seu riso.
Gargalhada santa.
Perfume.
Feijão na panela.
Vem do apartamento de cima.
O vizinho ouve
Vanessa da Mata.
Preciso cortar meu cabelo.
Não bebo sexta.
Não bebo.
Juro.
Lavar a louça.
Não quebrar o copo.
Talvez eu corte hoje.
O dedo.
Prometo.
Só o dedo mindinho.
Ver de novo meu sangue.
Saudades de quem não conheço.
Da voz rouca.
Da piscina.
(tu tens uma piscina
e uma voz rouca?)
Um mergulho.
Deixa-me.
Não me afogo.
Devo agora meditar
ouvindo o barulho
da descarga.
Quem sabe
eu seja louco.
Quisera.
Quimera.
2 comentários:
Domingos é um poeta "do aqui e agora", fazendo ligações como associações de idéias. Uma palavra que se associação a outro pensamento. Ao mesmo tempo que faz isso, tem uma narrativa histórica: estas "distrações" bem demonstram a questão da idade e das transformações do corpo com ela. E fala dos elementos do cotidiano sentado em algum lugar do espaço da casa e parado ficasse juntando tudo que o desperta como luzes de vagalume, luminosa e rápida, um cheiro que vem da vizinhança, uma formiga que sobe algum recanto desprevízel do domicílio, uma tosse e sua secreção pois tudo é matéria deste homem que não pára sem dizer algo. Sempre. Ele bem podia fazer a alegoria do cego (como somos sobre certas questões filosóficas) que apesar disto, não para de descrever, notar, avaliar, classificar o que ouve em seu entorno. Não digo da cegueira, falo da necessidade de se dizer o que se capta do mundo, mesmo que na falta de algum dos sentidos essenciais, como a compreensão da complexidade e o apenas simples.
José do Vale Pinheiro Feitosa,
a análise de um poema
buscando a essência
de quem o escreveu
é fabuloso.
Poucos têm a capacidade
de andar na linha tênue
do Ato Poético.
Muitos ao fazerem
acabam ou simplórios
ou obscuros.
Não é novidade o elogio
que te faço agora:
tua alma tem uma compreensão
rara do criador, da cria
e do processo construtivo.
A tua sensibilidade (Pensador que és) não se restringe apenas à extensão do verbo. Tu colhes o orvalho das palavras.
"...a compreensão da complexidade e o apenas simples", neste intervalo, então, surge o poema.
Um forte abraço.
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