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O afogado
O mar trouxe o corpo à praia.
Era um estrangeiro, jovem e belo.
A boca aberta deixava ouvir,
como se viessem do outro mundo,
as vagas do mar e os gritos brancos das gaivotas.
Eu lhe fechei os olhos, azuis como o céu
através das órbitas de uma caveira.
A sua nudez lhe tornava a pele mais pálida.
Sorria perplexo, como se reconhecesse
num espelho
a nossa estranheza.
Olhando-o, nós sabíamos:
também temos, em vida, o céu nas órbitas
e a morte nas pálpebras.
Pureza
Um barco desliza no lago silente.
É o crepúsculo dos pássaros calmos
E a leve brisa na folhagem transparente.
Anjos inaudíveis cantam salmos,
Demônios dormem no fundo abismo.
Hoje não verei a face do afogado.
Sou a nuvem suspensa de uma árvore
E cismo na quietude, cisne dourado.
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O primeiro poema é de 2005; o segundo, de 1985. Mais ou menos vinte anos os separam.
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"Quem escreve um poema salva um afogado." (Mário Quintana)
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Foto na Ponte Metálica, em Fortaleza.
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