Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Histórias da Dona Valda - Por Socorro Moreira








Minha mãe nasceu no Distrito de Itainópolis, que pertencia a Picos (PI). Meu avô, logo deixou de ser coletor, e foi cuidar das suas terras carnaubeiras, na Fazenda STA RITA, município de Valência (PI).
-Aos seis anos deixou pai e mãe, e foi estudar na cidade. Talvez ainda mijasse na rede, tomasse mingau, chupasse o dedo, mas precisava ser alfabetizada. Não tinha outra escolha!
Chegou o dia da viagem. Andou uns pedaços a cavalo para pegar o Caminhão, que passava na estrada principal. E lá se vinha aquele monstro. A poeira medonha, o denunciara. Pela primeira vez, via aquela máquina. Olhou as rodas girando, o povo na carroceria, rodando, tal como as rodas giravam, e pensou: não vou conseguir me segurar, em cima desse bicho. Vou cair, vou ficar tonta... Quero ficar... Por que tenho que ir?
Pra percorrer cinco léguas, a viagem durava um dia. A 20 km p/hora, aquele transporte andava, mas chegava!
Era quase de noitinha. Calada e desconfiada, cumprimentou os padrinhos, e sorriu sem jeito, para as meninas da casa. Elas se aproveitaram daquela inocente criança, que acabara de nascer para o mundo das províncias.
- Valda, daqui a pouco, o homem vem acender as luzes. Você fique pastorando, e nos chame, quando avistá-lo. É seu primeiro trabalho!
E as luzes magicamente, acenderam-se. Minha mãe ficou pasma, e apavorada. Nunca tinha visto uma lâmpada elétrica, nem vira o homem que esperava. Foi cobrada, foi gozada... E a primeira lição, aprendeu!
Depois, enfrentou a escola. Por razões políticas, matricularam-na, num educandário particular. A Família era opositora política dos chefes do poder. E o tempo era da palmatória. Cada erro na tabuada valia um bolo em cada mão, e uma lágrima em cada olho. Mas era a regra do jogo. Quem não aprendia, recebia castigo, feito bicho de circo. Assim, se concretizava a o ensino.
Mais para frente, perto do Natal, começou a escrever as cartinhas para o Papai Noel. Meninas bem comportadas seriam atendidas... Essa era a promessa da vida. Todas pediam, postavam nos Correios, e os pais as resgatavam, liam, e atendiam! Ela pediu um bebê de porcelana pretinho, que vinha namorando numa loja há muitos dias. Todas ganharam o que pediram, inclusive o seu bebê, que foi parar nas mãos de uma amiga. Impressionada com os critérios de Papai Noel, questionou-se: sou assim tão pecadora? Tudo lhe parecia ininteligível!
Depois que achou explicação, pensou: meus futuros filhos não acreditarão em Papai Noel. Eu juro!
Começou a estudar canto e bandolim, aos oito anos. Férias na fazenda, depois de dois anos de ausência, com direito a todas as mordomias de filha pródiga carente de colo; de banhos de rio; catar borboletas; bater palha de carnaúba; brincar com as bruxas de pano, que a sua mãe fazia. Nos aniversários ou Natal, vovó colhia flores do campo, fazia ramalhetes, e colocava nos chinelos dos filhos, debaixo das suas redes. Era de tão bela intenção, que tocava o coração, como uma valsa, no violão.
Aos 14 anos, morando no Crato, na casa dos avôs maternos, conheceu meu pai. Um boêmio, cantor, elegante, pintor... Até eu, por ele, teria me apaixonado. Bicava suas cachaças, fazia serenatas, acompanhado pelo violão de Vicente Padeiro.
Todo o dia presenteava minha mãe com uma margarida, uma fita para o cabelo, e um rabisco artístico, ora sol, ora lua, ora um céu estrelado, casa, flores e pássaros. Projeto de sonhos com todas as cores do amor!
Casaram-se oito anos depois, a filha de Maria e o Artista. Dessa argamassa poética e mística, eu nasci.
E foram felizes, dramáticos, cúmplices, amorosos, até que a morte os separou. Elos verdadeiros são inquebrantáveis!
Geraram dez filhos. Vingaram seis. Todos vivos, graças a Deus! A Prole foi aumentando, aumentando, e agora já são tantos, que a panela da cabidela não tem tamanho !
Se desgostos os filhos lhe afetaram, já dizia Joaquim Patrício, amigo da minha mãe : " uma árvore sadia não gera frutos estragados !"
A vida impoe provações , ensina, e acaba levando pro céu, quem dela prima!
Diz Dona Valda que o passaporte é caríssimo... Ela reza todo dia, pra ganhar sua passagem, e o bônus de todo mundo!


* Foto de Maria Valdenôra Nunes Moreira , aos 15 anos de idade, quando conheceu o meu pai Moreirinha.

5 comentários:

Claude Bloc disse...

Socorro, D. Valdenora tinha os mesmo olhos vivos que você tem....
Olhos de quem não perde um mínimo átimo da vida.

Abraços,

Claude

Zélia Moreira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Zélia Moreira disse...

Que bonitinho...
Sou parte também dessa história.
Amém!

Edilma disse...

Rostinho lindo, nariz afilado e bôca pequena como cereja. Linda mãezinha você possue. Essa beleza não se foi ficou eternizada na lembrança de quem a viu assim...
Texto cheio de originalidade, palavras simples e verdadeiraS...
Mãe sem igual !
Beijos !

socorro moreira disse...

Pronto, a turma reuniu-se : eu, Claude, Zélia e Edilma !

Claude, você sacou a herança materna , passada a todos os filhos(6): olhos abertos ,porém " bestas"! ( risos)

Edilma,
Ontem aqui, hoje lá - amiga em todos os cantos .

Zélia,
Perguntei ao Victor de quem era a foto. Ele olhou e respodeu: de Zélia?