Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Louvações à poesia de José Augusto de Lima Siebra - Por Stela Siebra Brito



Poeta caririense: 1881 - 1960


José Augusto de Lima Siebra, nascido em novembro de 1881, em Várzea Alegre, vivenciou seus grandes momentos poéticos na primeira metade do século XX. Oriundo de uma família de agricultores teve apenas instrução primária, mas, sendo um ávido leitor, ampliou seus conhecimentos e com isso suas possibilidades intelectuais. Participou dos movimentos políticos da cidade e do estado, foi orador e poeta.
O poeta foi pouco conhecido e quase nada restou dos seus manuscritos, mas pelo material que suas filhas conseguiram recuperar, dá para reconhecer seu mérito poético e homenageá-lo com estas louvações.
Herdei do meu avô, José Augusto de Lima Siebra, a ousadia poética de conversar com as estrelas e louvar a natureza inteira, desde a contemplação da beleza das flores até o fascínio pelo manto azul do céu estrelado. E é com esse espírito que teço estas louvações.

Primeira louvação:
Louvo na poesia de José Augusto de Lima Siebra, além da reverência à obra do Criador, o conhecimento das leis cósmicas, homenageando a presença divina manifestada nos fenômenos da natureza, no canto dos pássaros ou dos homens, registros estes que podemos encontrar em muitos dos seus escritos. Como exemplo, podemos apresentar estes versos finais do poema Amanhecer e o belo poema Viagem ao Infinito.

Amanhecer
(......)
Gosto de ouvir nesta hora
A cantiga do Geraldo,
Peito que estala saudoso,
Qual um piston afinado.

Quem vê o pobre negrinho
Sujo, roto e aleijado,
A cabeça descoberta,
O olhar atravessado

Não diz que naquele peito
Bate a voz de um chorão
Nem sabe que a voz de Deus
Mora no seu coração.

O Geraldo quando canta
Deus escuta atentamente,
E sendo um Deus no seu peito
Se manifesta contente.

Solta feliz, ó Geraldo,
Este teu canto bonito
Neste teu canto eu vejo
As notas do infinito.

Viagem ao Infinito

Galguei o espaço infinito
Pelo alto pensamento
Rompendo a força do vento
Do ar o denso granito.

Pisei todos os planetas,
Signos, cometas também.
Vi tudo que gira além
Mas não vi quatro trombetas.

Não encontrei o Altíssimo
Nem o trono da verdade
E de lá voltei certíssimo
Descrendo da eternidade.

Mas de volta encontro o ar
Em profunda escuridão
Com o estridor do trovão
O corisco a fuzilar.

Acho, Deus, encontrei jeito
De crer na sua existência
Imploro sua clemência
Com a mão cruzada ao peito.

Deus! Oh, Deus! Senhor perdão!
Perdão se esta poesia
Ofendeu-Te a primazia
Sob o peso de Tua mão.

Pois, Senhor, ao infinito,
Galguei pelo pensamento
Reconheci teu portento
E o quanto sou pequenito.

Teu poder sublime e forte
Os meus olhos lá bem viram
Se os meus versos te feriram
Perdão Deus! Manda-me a morte.




Segunda louvação:
Louvo na poesia de José Augusto de Lima Siebra seu amor pelo Ceará, cantado belamente no poema O Ceará Seco, que tem estes versos iniciais:

Oh! terra dos verdes mares,
Terra da luz, Ceará!
Alguma cousa de ti
A minha lira dirá
Com mágoas que nascem d’alma
Teu nome celebrará.

Terceira louvação:
Louvo na poesia de José Augusto de Lima Siebra seu encantamento com as belezas naturais do Cariri, região homenageada com o
Hino ao Cariri

No Cariri tudo é belo
Tudo é galas e primores
É belo no sítio ameno
Ver-se flores multicores.

É belo o cantar das águas
Que vem de encontro à pedreira
A brisa a gemer nas folhas
Da majestosa mangueira.

Soluça a patativa
Na folha da bananeira
A juriti tão saudosa
Chamando a companheira.

Vê-se a beleza que tem
Os grandes canaviais
O canto dos passarinhos
Na fronde dos laranjais.

Ouve-se o rumor nas folhas
Do coqueiro pelo vento
Fitar os círios eternos
Que habitam no firmamento.

Que primavera meu Deus
Desponta no mês de abril
Maio, um altar a Maria
Coberto de flores mil.

Eu como sou filho desta
Terra cheia de delícias,
Quero viver no seu seio
Gozando suas carícias.

Quarta louvação:
Louvo seu espírito cívico, sua participação na política local e seu patriotismo entusiasmado pelo Crato, registrado no poema Revolução de Juazeiro, em que narra em versos as intrigas, desventuras e batalhas da Revolução de 1914, gerada pela situação política do Ceará. Uma versão histórica registra que a revolução foi planejada pelo governo Federal, com o intuito de derrubar o Governo do Ceará, então nas mãos do Cel. Franco Rabelo.

Soneto 25
(....)
Procedendo desta forma
Fica o Crato abandonado
Do centro do Ceará
O ponto mais cobiçado
Torrão sagrado, altaneiro,
Por muitos bravos pisado.

Tendo somente no Crato
Um pequeno pelotão
Dois outros oficiais
Dos quais Tenente Romão
Aproveitando os jagunços
Esta pouca guarnição.

Na tarde de vinte e quatro
O Crato foi atacado
A noite inteira passando
Num tiroteio cerrado
Às dez horas do outro dia
Pelos jagunços tomado.
(....)

Quinta louvação:
Louvo na poesia de José Augusto de Lima Siebra seu espírito profundamente religioso e devotado, sentimento que ele expressou em diversos poemas, notadamente nesta descrição da
Morte de Jesus.

Está parado o ramo de oliveira
E muito triste o céu da Palestina
Três horas. Lá no céu o sol declina
Queda silente a natureza inteira.

Jesus, o bom Jesus a fronte inclina
Deita da face a lágrima primeira
Do peito exala a ânsia derradeira
Morre na cruz suspensa na colina.

Escuta calmo o glauco mar profundo
Há um silêncio tal em todo mundo
Que a própria hierarquia desconhece.

A mãe do Verbo a fronte ao céu erguia
E ao supremo soluço de Maria
A terra treme, o sol empalidece.




Sexta Louvação:
Louvo na poesia de José Augusto de Lima Siebra a delicadeza poética de expressar seu amor pelo lar, pela família. Dedicou poemas para a esposa, para as filhas, para a casa e até para o pomar, simbolicamente representando a família.

Meu pomar

Plantei um pé de roseira
Lá dentro do meu pomar
Com muito jeito e carinho
Comecei a cultivar.

A roseira se estendeu
Com galhinhos bem frondosos
Em cuja fronde mimosa
Realçaram quatro rosas.

Cada rosa mais formosa
No galhinho a balançar
Dava graça, dava encanto,
Dava vida ao meu pomar.

A roseira se movia
Balançando as quatro flores
Vivia de seus encantos
Vivia de seus odores.

Porém como esta vida
É cheia de dissabores
Quando menos se esperava
Lá se foram duas flores.

O pomar é nossa casa
A roseira és tu, Maria
Nossos filhos são as rosas
Jardineiro, quem seria?


Sétima louvação:
Louvo na poesia de José Augusto de Lima Siebra seu espírito brincalhão, espelhando sua forma de ser na vida, tantas vezes irreverente, insólita. Para ilustrar tomemos estes versos soltos:

Preguiçoso, vá embora,
Eu não quero mais lhe ver
Diga ao diabo do inferno
Que trabalhe pra você.

No subir de uma ladeira
Todo santo é preguiçoso
No descer ninguém precisa,
Cada qual mais milagroso

E minha última louvação é de agradecimento por suas lições de poesia, que alguns de nós, seus netos, bisnetos e trinetos já carregamos na alma e no coração e, podemos como ele, maravilhados com a imensidão do cosmo, ouvir estrelas e interpretar as sinalizações do céu. Deliciemo-nos com este poema:

Ouvindo estrelas


Noite. O firmamento
Está de estrelas salpicado.
A lua brinca entre elas
Qual um ente enamorado.

Como é lindo à meia-noite
Conversar com as estrelas,
Fitá-las no firmamento
Amá-las, ouvir e vê-las.

Gosto de amar as estrelas,
Elas namoram comigo,
Escuto o que me dizem,
Quanto segredo não digo!

Como é bom ouvir estrelas
Quando a noite está quieta.
Mas as estrelas só amam
Só conversam com poeta.

Foi do seio das estrelas
Que nasceu a poesia
Regada por uma lágrima
De um soluço de Maria.

Quando à noite estou dormindo
Ouço alguém a me chamar
São estrelas que me chamam
Pois me querem namorar.

Levanto-me, abro a porta,
Saio quase na carreira
Passo logo a ouvi-las
Nos amamos a noite inteira.

Quando a noite vai morrendo
Que no céu desponta a aurora
As estrelas se despedem
Num soluço e vão embora.

Passo, pois, o dia triste
Sinto medo de perdê-las
Peço a Deus que a noite venha
Pois desejo ouvir e vê-las.

3 comentários:

socorro moreira disse...

Sim , minha amiga, você não furtou. Você herdou !
Encontro,na poesia do teu avô , a mesma paixão, a mesma sensibilidade , a mesma verve poética , que acho em ti.
Não sabia que vocês tinham raízes em V.Alegre ( Siebra - claro!). Amo aquela terra. Suas águas têm mistério...!
Esse texto é um presente !

Obrigada.
Abraço forte.

Stela disse...

Pois é, vovô veio de lá, casou com vovó (que era irmã de Dr.Macário) e se instalou no sítio Malhada, onde vovó tinha terras. Mas eu nasci foi na Ponta da Serra. Obrigada por sua acolhida aos versos do meu avô, embora não me surpreenda com sua sensiblidade para com o belo,para com a arte. beijos.

Claude Bloc disse...

Adorei ler. Adorei ver.
Abraço,
cLaude