Hoje, ao sair para a minha caminhada diária, tive uma sensação diferente. Iria caminhar sozinha. Enquanto durar a festa de São Miguel, minha fiel companheira de jornada fez a opção de caminhar com o Santo. Não a censuro por isso. Poderia haver melhor companhia? Mas ponderei que o percurso do Santo é pequeno, o ritmo é lento, e, o que é pior, tem sempre um farto lanche no coroamento da atividade da manhã. Preferi fazer a minha obrigação e São Miguel há de me dar razão.
Eu não tinha com quem conversar e, por isso mesmo, saí com outra disposição: olhar a minha cidade, ainda meio adormecida, mais atentamente. Entrei na Av. Perimetral. Estranhamente, a calçada do CSU estava vazia. O sol ainda não tinha despertado. Continuei o meu caminho silenciosamente, procurando ver o horizonte, apesar da falta dos óculos, que não uso porque ficam embaçados. Um ou outro caminhante, solitário como eu, fazendo o percurso contrário ao meu, foi merecedor do meu caloroso “BOM DIIIA!”. A avenida transformou-se em rua Duque de Caxias. Desci-a até a esquina da Ratisbona, fiz a curva e deixei-a para trás. Já podia ouvir o burburinho dos topiqueiros a gesticularem e gritarem: Juazeeeiro!, no afã de conseguirem chamar a atenção dos seus prováveis passageiros. Cheguei à antiga estação, sem dar pelota para a agitação dos que disputavam passageiros no afã de garantirem o seu pão. Olhei para a praça.
- Meu Deus! A pra-ça!!! Onde está a sianinha formada pelas árvores que rodeiam a praça? Elas permanecem, coitadas, totalmente deformadas. É provável que alguém, que não tenha conhecido a beleza da forma característica que lhes fora dada, as veja sem levar susto algum. Imediatamente, voltei à minha adolescência.
Era um dia de Corpus Christi. O dia em que Jesus Eucarístico sai às ruas para abençoar os moradores. Naquela época, os colégios eram responsáveis pela ornamentação das ruas e confecção dos altares para as paradas e benção do Santíssimo. O Ginásio São Pio X encarregava-se do trajeto entre a Igreja de São Vicente e a praça em questão. Nela localizava-se o altar.
Nossa função (nós = alunas adolescentes) era sair logo cedinho, munidas de grandes cestas, para arrecadar o material que seria usado: folhas e flores de todas as cores. Saíamos com muita disposição, mas não fazíamos bagunça. Quando chegávamos a um jardim particular, pedíamos permissão e, na maioria das casas, conseguíamos ajuda. Éramos alunas do Pio X. Voltávamos com os cestos abarrotados. Ao chegar à praça, íamos separar as folhas e flores. O critério da separação era a cor.
Enquanto nossa equipe trabalhava dessa forma, as que eram consideradas mais talentosas e tinham mais responsabilidade, riscavam, a giz, no meio das ruas, os desenhos que seriam preenchidos com a matéria-prima por nós arrecadada. Em seguida, chegava a equipe incumbida do grude de goma. Traziam panelas enormes cheias daquela gosma, muitas delas ainda bastante quentes. O grude era derramado nos desenhos e as pétalas e folhas eram jogadas por cima, de acordo com as cores previamente separadas, tudo no maior capricho, para glória de Jesus Eucarístico. Ficava lindo demais!
Outra turma (comandada por dona Chiquinha) ficava na praça para dar forma ao altar, que era idealizado com a maior antecedência. Lembro que minha irmã, muito prendada, dobrava metros e metros de tecido, tudo bem igualzinho, para formar “casa de abelha”. Ia tecendo os favos com o auxílio de alfinetes. O efeito final era uma belezura. Enquanto dona Chiquinha não dava a aprovação, ficava-se a retocar os mínimos detalhes. A última palavra era sempre dela.
Tudo pronto, satisfeitas com o resultado (com certeza Jesus também aprovaria os nossos esforços), voltávamos para casa. Íamos nos preparar para a procissão. Farda de gala antecipadamente engomada (saia pregueada colocada debaixo do colchão para não amassar), nos vestíamos e retornávamos para nos colocar no lugar que nos era destinado na procissão. O comportamento tinha que ser exemplar, afinal, éramos alunas do Pio X.
Pareceu-me ouvir novamente a voz de dona Chiquinha: “aluna do Pio X tem que ser LUZ!”. Estava de volta ao presente. Com uma pergunta presa na garganta: onde estão os podadores da cidade? Por que não devolver à praça o desenho original? As árvores estão lá... Absolutamente desalinhadas!
Ângela Lobo
Eu não tinha com quem conversar e, por isso mesmo, saí com outra disposição: olhar a minha cidade, ainda meio adormecida, mais atentamente. Entrei na Av. Perimetral. Estranhamente, a calçada do CSU estava vazia. O sol ainda não tinha despertado. Continuei o meu caminho silenciosamente, procurando ver o horizonte, apesar da falta dos óculos, que não uso porque ficam embaçados. Um ou outro caminhante, solitário como eu, fazendo o percurso contrário ao meu, foi merecedor do meu caloroso “BOM DIIIA!”. A avenida transformou-se em rua Duque de Caxias. Desci-a até a esquina da Ratisbona, fiz a curva e deixei-a para trás. Já podia ouvir o burburinho dos topiqueiros a gesticularem e gritarem: Juazeeeiro!, no afã de conseguirem chamar a atenção dos seus prováveis passageiros. Cheguei à antiga estação, sem dar pelota para a agitação dos que disputavam passageiros no afã de garantirem o seu pão. Olhei para a praça.
- Meu Deus! A pra-ça!!! Onde está a sianinha formada pelas árvores que rodeiam a praça? Elas permanecem, coitadas, totalmente deformadas. É provável que alguém, que não tenha conhecido a beleza da forma característica que lhes fora dada, as veja sem levar susto algum. Imediatamente, voltei à minha adolescência.
Era um dia de Corpus Christi. O dia em que Jesus Eucarístico sai às ruas para abençoar os moradores. Naquela época, os colégios eram responsáveis pela ornamentação das ruas e confecção dos altares para as paradas e benção do Santíssimo. O Ginásio São Pio X encarregava-se do trajeto entre a Igreja de São Vicente e a praça em questão. Nela localizava-se o altar.
Nossa função (nós = alunas adolescentes) era sair logo cedinho, munidas de grandes cestas, para arrecadar o material que seria usado: folhas e flores de todas as cores. Saíamos com muita disposição, mas não fazíamos bagunça. Quando chegávamos a um jardim particular, pedíamos permissão e, na maioria das casas, conseguíamos ajuda. Éramos alunas do Pio X. Voltávamos com os cestos abarrotados. Ao chegar à praça, íamos separar as folhas e flores. O critério da separação era a cor.
Enquanto nossa equipe trabalhava dessa forma, as que eram consideradas mais talentosas e tinham mais responsabilidade, riscavam, a giz, no meio das ruas, os desenhos que seriam preenchidos com a matéria-prima por nós arrecadada. Em seguida, chegava a equipe incumbida do grude de goma. Traziam panelas enormes cheias daquela gosma, muitas delas ainda bastante quentes. O grude era derramado nos desenhos e as pétalas e folhas eram jogadas por cima, de acordo com as cores previamente separadas, tudo no maior capricho, para glória de Jesus Eucarístico. Ficava lindo demais!
Outra turma (comandada por dona Chiquinha) ficava na praça para dar forma ao altar, que era idealizado com a maior antecedência. Lembro que minha irmã, muito prendada, dobrava metros e metros de tecido, tudo bem igualzinho, para formar “casa de abelha”. Ia tecendo os favos com o auxílio de alfinetes. O efeito final era uma belezura. Enquanto dona Chiquinha não dava a aprovação, ficava-se a retocar os mínimos detalhes. A última palavra era sempre dela.
Tudo pronto, satisfeitas com o resultado (com certeza Jesus também aprovaria os nossos esforços), voltávamos para casa. Íamos nos preparar para a procissão. Farda de gala antecipadamente engomada (saia pregueada colocada debaixo do colchão para não amassar), nos vestíamos e retornávamos para nos colocar no lugar que nos era destinado na procissão. O comportamento tinha que ser exemplar, afinal, éramos alunas do Pio X.
Pareceu-me ouvir novamente a voz de dona Chiquinha: “aluna do Pio X tem que ser LUZ!”. Estava de volta ao presente. Com uma pergunta presa na garganta: onde estão os podadores da cidade? Por que não devolver à praça o desenho original? As árvores estão lá... Absolutamente desalinhadas!
Ângela Lobo
2 comentários:
Menina Ângela,
Viajei com você. Me lembro do capricho de Dona Chiquinha e também do quando ela primava pelo esforço e brilho das suas alunas.
Foi um passeio fantástico esse que fez e esse mergulho nas memórias me trouxe o Pio X como resgate de minha passagem por lá...
Abraço a você.
Claude
Fico feliz por você ter viajado comigo, Claude. E concordo em relação a dona Chiquinha, era uma figura muito marcante.
Tenho uma curiosidade e procuro uma ex-aluna que a mate. Você foi aluna dela, por acaso se lembra das finalidades do canto orfeônico?
Um beijo carinhoso...
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