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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Tudo cambia como Violeta Parra - por José do Vale Pinheiro Feitosa

Se fosse revelar para vocês a voz de Violeta Parra, compositora, cantora, ceramista, pintora e artista plástica chilena diria que é parecida com a voz de Marina Silva. Frágil como se uma gripe permanente obstruísse suas vias respiratórias.

Se fosse traduzir o mais próximo possível do Espanhol a canção TUDO CAMBIA (que em Espanhol tem acento na primeira sílaba), teria que usar o verbo Português cambiar nas sua acepção de mudar ou alterar (se) profundamente. Neste caso como transitivo indireto.

Os primeiros versos da canção ficariam assim:

Cambia-se o superficial,
Cambia-se também o profundo,
Cambia-se o modo de pensar,
Cambia-se tudo neste mundo.

Violeta Del Carmem Parra Sandoval de origem social humilde foi quem praticamente inaugurou a canção comprometida com os pobres e oprimidos. A verdadeira canção de protesto político. Junto com Victor Jara (assassinado no Estádio de Santiago pela ditadura), Patrício Manns e Roland Alárcon fundaram a tenda da comuna LA PIROKA que pretendia ser o grande centro da cultura folclórica chilena.

No segundo verso de TUDO CAMBIA ao continuar enumerando as mudanças, Violeta aplica a mudança a tudo que existe:

Cambia-se o clima com os anos,
Cambia-se o pasto sob o rebanho,
E assim como tudo se cambia,
Que o câmbio não é estranho.

Desde pequena na luta pela sobrevivência. Teve três casamentos de cinco filhos. Os filhos cresceram e se tornaram grandes artistas como ela. Viajou pelo mundo. Morou em Paris e lá fez exposições plásticas.

Numa entrevista feita em Genebra, encontrada no YouTube a entrevistadora M. Madeleine Brumagne pergunta: com que fazes esta máscara? (A entrevistada trabalhava). Violeta Parra responde: com pedaços de papelão. Por exemplo, para fazê-la penso em ti. Em como és Madeleine. Olho-te um pouco sem que me vejas, para não incomodar-te. Eu gosto de fazer meu trabalho. De memória. Se poderia dizer.

Quando chega ao terceiro verso da canção Violeta Parra começa a penetrar as mudanças no sentimento, inclusive pela metáfora do passarinho:

Cambia-se o mais fino brilhante,
De mão, mas não em seu brilho,
Cambia-se o ninho do passarinho,
Cambia-se o sentido do amante.

Madeleine Brumagne pergunta a Violeta: Sim. Mas mesmo que você tenha visto pouco uma pessoa. Como logra captá-la? Violeta, atenta ao trabalho, continua falando: Bom. Por que quando sinto que alguém é amável, sensível, não consigo ficar tranqüila deixo de fazer algo...Para...Eu não posso explicar-lo. Violeta faz uma pausa incompleta do seu pensamento e Madeleine completa: Simplesmente fazes com que fluam as emoções em tuas mãos. A artista confirma: Sim. Assim é.

No quarto verso Violeta mostra mais uma vez que as pessoas entendem a mudança:

Cambia-se o rumo o caminhante,
Que não restou quase dano,
E assim como tudo se cambia,
Que o câmbio não é estranho.

De repente a entrevistadora percebe o vestido de Violeta, inteiramente de base na vestimenta dos Andes Chilenos e comenta: Que lindo é teu vestido. Violeta olha breve para o próprio vestido e diz: Minha mãe o fez. Quando eu era criança minha mãe buscava em pequenas tendas, retalhos para fazer vestidos, por que minha mãe era muito pobre. Tinha dez filhos para cuidar e muito pouco dinheiro. Bom. Agora também não o tem. A entrevistadora ri breve e diz: Que idade ela tem? Violeta informa: Tem 75 anos. Ela tem trabalhado muito para poder sobreviver. Igual que eu. Que nunca tenho dinheiro... Assim como mamãe.

E a voz da cantora se amplia na abóbada do planeta com o refrão: Cambia-se! Tudo se cambia! / Cambia-se! Tudo se cambia! (bis). E a lista do movimento continua numa das matrizes do movimento: o próprio da terra:

Cambia-se o sol em sua carreira,
Quando a noite subsiste,
Cambia-se a planta e se veste,
De verde a primavera.

A cena da entrevista muda e agora Violeta Parra borda um tapete. Madeleine comenta: Sabes bordar e como aprendeste? Violeta tenta reparar a primeira parte afirmativa: Não. Não. Eu não sabia nada. Este é o ponto mais simples do mundo. Ele não está desenhado. Madeleine então conclui: Então o inventaste todo? Ao que Violeta diz: Sim. Porém todo mundo o pode fazer. Não é uma especialidade minha.

No sexto verso surge o câmbio na pessoa:

Cambia-se o pêlo aquela fera,
Cambia-se o cabelo do ancião
E assim como tudo se cambia,
Que o câmbio não é estranho.

Agora Violeta está em pé e Madeleine lhe pede explicações de sua obra exposta na parede: Poderia explicar os elementos que compõem esta tapeçaria? Violeta apontando para sua obra: Sim. Primeira, estes são todos personagens que amam a paz. E Madeleine pergunta: Quem são estes personagens? Violeta diz: o primeiro sou eu. Madeleine faz uma pergunta: Por que esta púrpura? Violeta não entende a pergunta e a Madeleine explica - Por que a cor Púrpura? - ao que a artista explica: Por que é a cor do meu nome. Madeleine diz: Violeta. Ela: Sim. Depois um amigo Argentino e uma amiga Chilena e esta é uma índia Chilena. As flores de cada personagem são suas almas. Aqui tu vês um fuzil, a guerra...a morte. Todos os camponeses no Chile vivem muito pobres como a situação do meu avô. E eu não posso permanecer indiferente. A mim molesta esta situação. Por isso fiz esta obra que se chama: A rebelião dos camponeses.

E embora tudo cambie, Violeta Parra encontra aquilo que não muda:

Porém não se cambia meu amor,
Por mais longe que me encontre,
E eu recordo minha dor,
Do meu povo e de minha gente.

Madeleine Brumagne afirma enquanto a artista pinta: Violeta você é poeta, você é música, você faz tapeçaria, você faz pintura. Se fosse escolher um destes meios de expressão qual deles elegeria? Se tivesses apenas este meio de expressão? Violeta para de pintar e diz: Eu escolheria ficar com as gentes. E Madeleine interroga: E renunciarias e tudo isso? Ao que Violeta responde: É esta gente que me inspira a fazer estas coisas.

No oitavo verso de TUDO CAMBIA, Violeta Parra, com seu corpo de índia, se mudou para o campo do humanismo no ano de 1967, no curso de uma grande depressão amorosa e com a incerteza de sua prática artística. O seu grande encontro na tenda comunal havia falido. Aos quarenta e nove anos de idade, renunciou a tudo aquilo. “Como el musguito en la piedra. Ai, sí, sí, si”

O que se cambiou ontem,
E que há de se cambiar amanhã,
Assim como cambio eu,
Em esta terra distante.


Um comentário:

socorro moreira disse...

Precisamos, que tudo se renove !