É sinal de inteligência e sabedoria falar pouco, falar bem e não falar mal de ninguém.
Contudo, calar-se é ainda mais importante quando calar-se é dizer tudo.
Há quem se cale por não ter realmente nada para nos dizer, mas há também quem se cale por omissão, quando seria um dever falar, escrever, gritar, colocar a boca no trobone, como se dizia antigamente.
Calar-se na hora certa e por motivos certos é uma verdadeira arte cujas regras um pequeno livro do Abade Dunouart quer nos transmitir. Autor francês do século XVIII, suas admoestações para que façamos silêncio, ainda hoje são pertinentes.
Sutileza não lhe falta. Ao mesmo tempo que recomenda o silêncio, lembra que há silêncios falsos, aqueles que simulam uma sabedoria, que, de fato, inexiste. Nem sempre calar-se significa profundidade de pensamentos Pelo contrário, é camada de verniz que recobre um vazio sepulcral.
Mas há ainda outros silêncios e, alguns deles, diabólicos.Há o silêncio manipulador, há o silêncio torturante, o silêncio chantagista, o silêncio rancoroso, o silêncio conivente, o silêncio de zombaria,o silêncio imbecil, o silêncio do desprezo. Há pessoas que matam com seu silêncio. Há silêncios que esmagam a justiça e a bondade na calada da noite.
Por isso, o silêncio rico de significado é, ainda mais apreciável e luminoso.
Falo do silêncio que prenuncia novas palavras.
Falo do silêncio que é solidariedade na dor.
Falo do silêncio que soluciona cisões.
Falo do silêncio que pergunta.
Falo do silêncio que perdoa.
Falo do silêncio que ama.
O silêncio mais puro é aquele que guarda confidência.Este silêncio jamais é excessivo. Não se deve apregoar aos quatro ventos, o que foi murmurado na intimidade da amizade e do amor.
O silêncio mais sábio é aquele que fazemos diante dos impertinentes, intolerantes e desbocados. É o silêncio do Cristo inocente, diante dos acusadores, o silêncio dos espaços infinitos, diante da quase infinita capacidade nossa de falar ou escrever sem razão.
Calar na maneira certa é deixar que uma voz mais profunda seja ouvida. A voz severa, a voz serena, a voz suave e firme da verdade.
O verdadeiro silêncio diz a verdade que não se pode calar.
O verdadeiro silêncio nunca será cedo demais.
Quero ouvir o silêncio que tudo explica.
A Arte de Calar, Martins Fontes, 2001
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