Vivíamos o mês de junho de 1958. Eu estava cursando a primeira série do antigo curso ginasial no velho Colégio Diocesano do Crato. Numa segunda-feira, cheguei um pouco atrasado e o interno, que era sineteiro, acabara de tocar o último sinal para início das aulas. Ainda ouvi quando ele comentou com outro colega: “Mas que vitória bonita aquela do Brasil ontem: três a zero na Áustria!” Quis saber dele do que se tratava e ele me disse que era um jogo pela Copa do Mundo. Não minto! Foi a primeira vez que eu ouvi falar em Copa do Mundo. Ao término da aula, tão logo cheguei a casa, procurei entre as revistas de um dos meus irmãos noticias sobre a Copa do Mundo. Havia uma revista “O Cruzeiro” que trazia tudo sobre a seleção brasileira, fotos dos jogadores, os grupos em que cada país estava distribuído e a tabela dos jogos. Fiquei sabendo que a Copa era realizada na Suécia, que graças ao excelente professor de Geografia José do Vale Feitosa, eu sabia muito bem onde ficava sua posição no globo. Então, como bom brasileiro achei que era importante acompanhar os jogos e torcer pelo Brasil. No segundo jogo, uma quarta-feira à tarde, eu fui à casa da minha tia Pia Cabral, uma irmã do meu avô, onde vários primos ouviam a transmissão da partida contra a Inglaterra. Era bastante animado, mas o jogo foi oxo (zero a zero), não obstantes as preces da tia Lurdinha para Santa Terezinha, a santa de sua devoção, com a qual ela afirmava tudo conseguir.
Depois vieram os jogos contra a Rússia, Pais de Gales e França. O jogo contra a França foi no dia de São João e eu estava voltando do Mauriti ao Crato, acompanhando os resultados parciais em cada café da beira da estrada. Mas soube que no Crato, antes do inicio do jogo contra a França, a tia Lurdinha se retirou da sala onde estava o velho rádio telefunken, dizendo que ia conversar com Santa Terezinha para o Brasil ganhar da França. Huberto Cabral protestou: “Santa Terezinha é francesa!” Houve uma gargalhada geral. Mas acredito que nesse dia Santa Terezinha, lá do céu, se esqueceu da França e foi fiel à sua amiga, pois o Brasil começou arrasador com um gol do vascaíno Vavá, logo aos 2 minutos de partida.
Na final contra a Suécia, já estávamos de férias no São José. Era um domingo e o jogo seria iniciado às 11 horas da manhã. Naquele tempo não havia energia elétrica no São José, nem rádios de pilha. O único rádio que havia lá em casa era um velho RCA, à bateria de carro, que estava descarregada. Meu irmão Luis Flávio disse que iria ouvir o jogo na casa do Assis de Melo, um nosso parente distante. Este era um solteirão, que morava sozinho num enorme casarão que herdara dos pais, bem próximo do canavial. Tinha mania por eletrônica e sua casa era repleta de rádios velhos, todos danificados de tanto ele fazer experiências. Eu e o primo José Esmeraldo Gonçalves acompanhamos Luis e papai nos pediu para que fôssemos avisá-lo a cada gol do Brasil. Seria uma boa caminhada, pois a casa do Assis distava mais de dois quilômetros da nossa.
Infelizmente não havia nenhum rádio em funcionamento na casa do Assis de Melo e ele nos disse que dava para acompanhar o jogo pela galena. Galena é um receptor de onda média, bem simples, que funciona sem precisar de energia elétrica. Trata-se de uma bobina enrolada por semicondutores do mineral galena ligada a uma antena externa composta de fios bem compridos estendidos e, que se escuta por meio de um fone de ouvido. Sintonizava sempre a emissora mais potente ou a mais próxima. Como o sítio do Assis era mais perto do Juazeiro, a galena sintonizava exclusivamente a Rádio Iracema que retransmitia da Rádio Bandeirantes de São Paulo. O meu irmão Luis tomou conta do fone de ouvido e repassava os lances para nós. A cada gol do Brasil, eu ou primo José Esmeraldo saiamos correndo para avisar ao papai. Como houve uma chuva de gols naquela partida, enquanto um voltava após ter comunicado que o Brasil empatara o jogo, encontrava o outro pelo caminho com mais novidades. E o nosso coração batia tão forte, quão forte eram as passadas que dávamos na nossa correria. Foram mais de seis idas e vindas, pois o Brasil ganhou sua primeira Copa do Mundo com uma elástica goleada.
Essa foi a Copa do Mundo mais emocionante da minha vida. Nem as imagens a cores transmitidas ao vivo pela televisão me fizeram reviver as emoções daquele dia 29 de junho de 1958, um dia de São Pedro, em que pela primeira vez o Brasil se sagrava campeão do mundo.
Por Carlos Eduardo Esmeraldo
Na final contra a Suécia, já estávamos de férias no São José. Era um domingo e o jogo seria iniciado às 11 horas da manhã. Naquele tempo não havia energia elétrica no São José, nem rádios de pilha. O único rádio que havia lá em casa era um velho RCA, à bateria de carro, que estava descarregada. Meu irmão Luis Flávio disse que iria ouvir o jogo na casa do Assis de Melo, um nosso parente distante. Este era um solteirão, que morava sozinho num enorme casarão que herdara dos pais, bem próximo do canavial. Tinha mania por eletrônica e sua casa era repleta de rádios velhos, todos danificados de tanto ele fazer experiências. Eu e o primo José Esmeraldo Gonçalves acompanhamos Luis e papai nos pediu para que fôssemos avisá-lo a cada gol do Brasil. Seria uma boa caminhada, pois a casa do Assis distava mais de dois quilômetros da nossa.
Infelizmente não havia nenhum rádio em funcionamento na casa do Assis de Melo e ele nos disse que dava para acompanhar o jogo pela galena. Galena é um receptor de onda média, bem simples, que funciona sem precisar de energia elétrica. Trata-se de uma bobina enrolada por semicondutores do mineral galena ligada a uma antena externa composta de fios bem compridos estendidos e, que se escuta por meio de um fone de ouvido. Sintonizava sempre a emissora mais potente ou a mais próxima. Como o sítio do Assis era mais perto do Juazeiro, a galena sintonizava exclusivamente a Rádio Iracema que retransmitia da Rádio Bandeirantes de São Paulo. O meu irmão Luis tomou conta do fone de ouvido e repassava os lances para nós. A cada gol do Brasil, eu ou primo José Esmeraldo saiamos correndo para avisar ao papai. Como houve uma chuva de gols naquela partida, enquanto um voltava após ter comunicado que o Brasil empatara o jogo, encontrava o outro pelo caminho com mais novidades. E o nosso coração batia tão forte, quão forte eram as passadas que dávamos na nossa correria. Foram mais de seis idas e vindas, pois o Brasil ganhou sua primeira Copa do Mundo com uma elástica goleada.
Essa foi a Copa do Mundo mais emocionante da minha vida. Nem as imagens a cores transmitidas ao vivo pela televisão me fizeram reviver as emoções daquele dia 29 de junho de 1958, um dia de São Pedro, em que pela primeira vez o Brasil se sagrava campeão do mundo.
Por Carlos Eduardo Esmeraldo
7 comentários:
O Carlos Esmeraldo escreve bem e tem uma capacidade de otimismo na sua narrativa que nos entusiasma. Esta história da copa pela galena, com o primo e ele correndo de uma lado a outro para multiplicar a informação enquanto um único ouvia diretamente da fonte é demais. É simbólica e mostra muito bem a velocidade com que o mundo mudou na nossa geração. Se considerarmos como as coisas funcionam hoje ficamos abismados como tampo pouco tempo mudou tanto assim: 52 apenas. E quando o Lula diz nunca se viu tanto...qualquer coisa,e que estes foram os anos dos tantos mesmos.
Eita menino,
Esse sim era um tempo em que eu vibrava por futebol.. Será que hoje a gente vê esses momentos com a mesma sede?
Abraço aos amigos..
Claude
Carlos
Feliz é você que pode recordar, aquela época quando o futebol era feito de sonhos e magias.
Abraços
Aos estimados amigos: Zé do Vale, Claude e Aloísio.
Muito obrigado pelas palavras de vocês.
Já que o clima é de Copa do Mundo, vamos falar de futebol, como todo mundo. Lembro que em Salvador, o professor Carlos Santana (conheceu esse Aloísio?) do pré-vestibular queria que assistíssemos aula num dia e horário de jogo do Brasil na Copa do Mundo de 1966, dizendo que vestibular é vestibular. E um colega emendou: professor, vestibular tem todo ano e Copa do Mundo é só de quatro em quatro anos.
Abraços para todos.
Esqueci que em 1998 Santa Terezinha voltou a ser francesa.
Carlos,
Não conheci O prof. Carlos Santana, nesta época morava no interior, ainda não tinha vindo pra "Bahia" como os interioranos chamam Salvador.
Só lembrando em 2006, Santa Terezinha, foi mais francesa do que nunca, quando deixou Roberto Carlos arrumando as chuteiras.
Abraços
Aloísio
O professor Carlos Santana era médico, ensinava Física no Cursinho Andes e foi Ministro da Sáude de Sarney. Já faleceu há cerca de 10 anos. Muito conhecido no meios estudantis e posteriormente nos meios políticos da Bahia.
Qualquer dia vou rever a "Boa Terra", aí vivi 10% de minha vida.
Postar um comentário