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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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segunda-feira, 14 de junho de 2010

RELEMBRANDO CACILDA - POR CARLOS PINTO


http://www.bethynha.com.br/cacilda-becker.htm

"Relembrando Cacilda"
(texto:- Carlos Pinto)

Definitivamente...

Em definitivo,
Não consigo mais me entender.
Quero as coisas
Que não quero,
Realizo os sonhos
Que não procuro,
Me perco indefinidamente,
No tempo da tua ausência...(Carlos Pinto)


No último dia 14 de junho completaram-se trinta anos, da ausência prematura de Cacilda Becker, após trinta e oito dias de uma intensa agonia em um dos quartos do Hospital São Luiz. Era o dia 06 de maio e, Cacilda, como o fazia há várias semanas, esperava Godot, no palco de seu teatro, diante do seu público, quando, por uma dessas ironias do destino quem apareceu foi um aneurisma cerebral. Perdeu o teatro brasileiro nessa oportunidade, não apenas a grande dama da cena brasileira. Perdeu mais. Perdeu talvez, a maior liderança que essa classe, principalmente em São Paulo, já possuiu, liderança essa da qual o teatro nacional se ressente até os dias de hoje.

Conheci Cacilda em meados da década de 60. O país estava mergulhado nas agruras e nas trevas iniciais do regime militar implantado em março de 64. Com a nomeação de Abreu Sodré para o Governo de São Paulo, Cacilda foi indicada e nomeada por ele, para a Presidência da Comissão Estadual de Teatro. Como Presidente da Confederação de Teatro Amador do Estado, e por indicação de Nagib Elchmer, fui nomeado também para fazer parte dessa Comissão, em companhia de Hamilton Saraiva, Décio de Almeida Prado, Anatol Rosenfeld, Sábato Magaldi, Joe Kantor e outras figuras de expressão da classe teatral paulista. Tenho absoluta convicção de que no período em que Abreu Sodré governou São Paulo, as artes e a cultura no geral, mas, o teatro especialmente, viveram seus anos de glória em matéria de patrocínios, subvenções e ajuda governamental. Sodré sempre foi um amante das artes, e, jamais interferiu no trabalho realizado nas várias comissões que compunham o então Conselho Estadual de Cultura.

Em várias oportunidades assisti a Cacilda telefonar para o Governador Sodré e, com a clareza que sempre será uma característica dos verdadeiros líderes, dizer : "Governador, nós, da Comissão Estadual de Teatro, estamos colocando os nossos cargos à disposição do senhor pois vamos participar da passeata que ocorrerá hoje em São Paulo, em protesto contra a ditadura militar." Do outro lado, o Governador Sodré respondia : "Vocês podem participar da passeata que eu vou manter a todos nos cargos que ocupam. Não aceito as demissões." Sodré era um desses raros democratas que deixam saudade. Hoje vivemos no chamado estado de direito, em plena democracia, e nunca as artes e a cultura foram tão solapadas. Há dinheiro para encher os cofres dos banqueiros falidos, mas se deleta toda e qualquer ajuda à cultura nacional, muito embora o nosso atual Ministro da Cultura, seja o mais incorrigível passageiro dos jatinhos da nossa Força Aérea. Mas voltando a Cacilda, relembro o episódio do "seqüestro" da atriz Norma Benguell, quando ela transformou o seu apartamento em um aparelho de resistência onde vários integrantes da classe teatral passaram dias e noites de vigilia, até que ela, negociando com as autoridades de então, conseguiu a liberdade de Norma. Sobra em minha memória, o telefonema que recebi dela em minha casa, em Santos: "Preciso de você aqui em São Paulo." Foi um dos vários episódios que atingiram a classe teatral paulista, que teimava em resistir ao golpe de 64. Frágil na aparência, imbativel na garra e na luta por seus ideais, por seus amigos, pelo seu teatro.

Assim era Cacilda, que amava de forma contagiante a sua arte e o seu trabalho. Sua gestão na Comissão Estadual de Teatro está marcada para sempre na história do teatro paulista e, os amadores teatrais deste Estado, devem a ela muito do que foi conquistado naquele período. Pena que os "democratas" que se elegeram posteriormente à implantação da redemocratização, tenham esquecido o que a classe teatral paulista plantou e, as perdas que sofreu nessa luta pela volta ao estado de direito, e hoje, demonstrem uma total indiferença pela produção artística em São Paulo.

Os anos de convivência com Cacilda foram lições de vida, de amor à arte, de enfrentamento aos guardiões do regime de então e, principalmente, de liderança.
Quis o destino que esse aneurisma que acometeu a nossa primeira dama do teatro, viesse exatamente a 06 de maio, uma data que para mim significa o meu nascimento.

Foi talvez o último elo a selar a amizade que sempre mantivemos e, a certeza de que a luta continua.

Já agora, contra esta ditadura invisível que assola e massacra o povo brasileiro. Lamentavelmente, apenas o Jornal da Cidade (Bauru), o Jornal da Tarde e a Rede Bandeirantes, homenagearam Cacilda nestes 30 anos de sua sentida ausência.

Por ocasião de seu falecimento, sobre ela se expressou com imensa verdade, o poeta Carlos Drummond de Andrade : "A morte emendou a gramática / Morreram Cacilda Becker / Não eram uma só. Eram tantas..."

"A pior servidão de que o homem pode ser vítima é a voluntária, à qual se entrega para não ter que decidir momento a momento ou assumir as suas novas posições, cedendo ao esquema pronto." (Vassil Grossman)

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