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"Penetra surdamente no reino das palavras.
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Estão paralisados, mas não há desespero,
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"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

TRAGÉDIA GREGA EM SÓFOCLES

Concluí há poucos dias a leitura de “Filoctetes” e “AIAS” (Ajax) de Sófocles, em nova tradução. Confesso a minha paixão avassaladora por tudo que diz respeito à Grécia Clássica.

Valentia, lealdade e traição, vingança e punição são os temas militares das duas tragédias de Sófocles. Um guerreiro grego, o mais valente dentre todos, defraudado das armas a que tinha direito, procura se vingar de seus companheiros, mas, em lugar destes, sacrifica os animais do rebanho. Ao tomar consciência de seu ato ensandecido, suicida-se. Outro guerreiro, mordido por uma serpente é abandonado em uma ilha. Seus lamentos de dor e o cheiro nauseabundo da ferida impedem o contato com os homens e a relação com os deuses. Anos depois, em meio a tentativas de engano e violência, reluta entre a decisão de retornar a casa ou partir para o campo de batalha e dar a vitória àqueles que o relegaram. Dentre as poucas tragédias de Sófocles que conhecemos integralmente, estas são as únicas que tratam de acontecimentos da guerra de Tróia. Nos dois casos, está em jogo a conquista das armas entre os comandantes gregos e a capacidade de dar a morte aos inimigos. Sófocles, que se tornou general ateniense, fala de experiências comuns a seus contemporâneos e aos heróis do passado. Oferece uma resposta à questão que Platão mais tarde levantaria: um cantor dos poemas homéricos pode assumir o comando militar graças aos seus conhecimentos poéticos sobre a arte da guerra? A primeira dessas obras– segundo o tempo narrativo e a ordem de composição – foi AIAS (ou ÁJAX seguindo a tradição latina), mas não se sabe com precisão quando foi representada: aparentemente, vários anos antes de Sófocles ser eleito estratego pela primeira vez. Com a segunda, Filoctetes, ele venceu o concurso trágico, ao final de sua vida, após ter ocupado posições políticas importantes em uma Atenas abalada pela guerra e com suas instituições democráticas debilitadas.
Ao lado do ciclo de Tebas, ao qual se referem obras como Édipo Rei ou Antígone, os relatos sobre a guerra de Tróia, constituem uma das fontes da tragédia grega. Sófocles, em dramas dos quais conhecemos pouco mais que os títulos, recorrem com freqüência a esse material comum poético, da memória grega. As obras trágicas selecionam alguns eventos retirados de uma narração mais ampla. Pouco importa, disse Aristóteles, “que sejam ilógicos os fatos que não são representados, mas permanecem implícitos na trama, uma vez que se confere unidade e coerência à história selecionada”. Ájax fora preterido a Odisseu na atribuição das armas de Aquiles. Em cena, o personagem se mostra no momento final de seu devaneio. Graças ao engano de Atena, ele sacrificou o rebanho e foi impedido de se vingar. É ela quem revela a Ulisses, e ao público, o ocorrido: guiada pelo preceito de que: “é doce rir dos inimigos”, interroga Ajax ainda fora de si. O herói retoma consciência de si e de seus atos e este conhecimento vai conduzi-lo, inevitavelmente à morte. Os comandantes militares devem decidir se honram o cadáver de quem se pôs contra eles ou se deixam sem sepultura o melhor guerreiro depois de Aquiles.

Já Filoctetes fora abandonado na ilha de Lemnos por Odisseu, segundo a ordem dos principais comandantes da expedição grega, antes de chegarem a Tróia. Ali permaneceu por vários anos, sofrendo as dores de uma ferida que o isolava dos homens, e sobrevivendo graças ao uso de um arco que pertencera a Heracles. Os gregos, no entanto, precisavam de sua ajuda para vencer os troianos. Aquiles morrera, e também Ajax, sem conseguirem expugnar a cidadela inimiga. Mais uma vez a disputa pelas armas entre combatentes aliados encontra-se na origem do drama. Um adivinho troiano revela aos gregos que Filoctetes, com seu arco, os levaria à vitória. Diz-se que mais tarde ele seria responsável pela morte do príncipe troiano Páris.
Em Sófocles, a cena trágica se desenrola na ilha deserta, entre a tentativa de engano do herói ferido e o desvelamento do ardil. O “reconhecimento” desta situação associa-se, no personagem, à consciência de sua dupla condição, fonte de desejo e repulsa pelos demais, para obterem a vitória, e afastado de todos, objeto de aversão. A honra do guerreiro se manifesta com a posse das armas e a morte dos inimigos. Por meio de herança das armas divinas se justifica a hierarquia entre os combatentes e a distribuição de poder na comunidade. Ajax e Filoctetes participam da mesma seqüência narrativa e respondem às mesmas condições dramáticas. Não por acaso o filho de Aquiles, herdeiro natural das armas do pai pretendida por Ajax e apoderadas por Odisseu, dialoga com Filoctetes, tentando recuperar, para os gregos, o seu arco divino. Junto com a imposição da força conta também a astúcia, no campo de batalha e no interior do próprio acampamento. Nestas duas tragédias encontramos Odisseu como personagem. Nos dois casos ele participa dos eventos que estão na origem da tragédia e se mostra, ao mesmo tempo, superior a elas: o maior dentre os heróis, protegido por Atena, astuto e vencedor. Condição da ação dramática, ele sabe o que o herói trágico deve ainda “reconhecer”. Mas se o conhecimento de Ajax e Filoctetes os leva ao desespero ou à morte – também Filoctetes procura em vão o suicídio -, o conhecimento de Odisseu, tendo a deusa por cúmplice mostra o caminho certeiro e superior da sorte humana, que se realiza no engano e na prepotência.
Em ambas as tragédias atravessam a cena, cantam, dialogam e dançam grupo de quinze marinheiros. Participam também da ação outros personagens, alguns dos quais, diante do jogo bem medido e cruel, de mentira e revelação, buscam introduzir a piedade nas relações entre os homens. Em AIAS, temos Tecmessa, princesa bárbara que tenta inutilmente evitar a morte do herói, e Teucro, meio irmão de Ajax, que conquista, com a palavra, o direito de lhe dar sepultura. Em Filoctetes, encontramos Neoptólemo, o jovem filho de Aquiles, do qual Odisseu pretende, somente por um dia, que pratique a mentira e a deslealdade. Este, no entanto, apesar de sua devoção ao herói abatido e de sua sinceridade, não consegue impedir o desígnio dos deuses.




FILOCTETES
Sófocles
Tradução: Trajano Vieira
Editora 34

AIAS
Sófocles
Tradução: Flávio Ribeiro de Oliveira
Editora: Iluminuras



2 comentários:

socorro moreira disse...

Nilo , eu preciso fazer como você, e achar tempo para ler o que gosto e preciso.
Tá na cara de que você também leu Ilíada , na adolescência !


Eu estive ausente , quase o dia todo, preocupada com a saúde de uma amiga. Mas vai dar tudo certo.

Um abraço, menino.

Nilo Sergio Monteiro disse...

Oi amiga. Estávamos falando agora mesmo sobre você. Uma roda bem cariri. Estaremos em solo piquizeiro na tarde do dia 02/10.
Mas consiga seu tempo. Vc precisa dele e sabe disso! Não podia deixar de ter lido não é? A Ilíada foi só o começo. Hoje vi o livro que vc me emprestou: Ciência e Fé. Vou levando no matulão.
Amei a leitura. Beijos , e estimo melhoras pra amiga.