Mesmo antes de eu vir ao mundo meu avô Julio Saraiva já tinha um foto na Rua Grande chamado de Foto Riso. Nesta época não existia luz elétrica e para o bom fotografo conseguir efeitos de iluminação numa boa fotografia, tinha que seguir um ritual preparado com antecedencia. As pessoas a serem retratadas arrumavam os cabelos, vestiam a melhor roupa e chegavam no horário marcado. Quando o sol penetrava pela janela meu avô abria e fechava a cortina posicionando os raios de luz para o local desejado.
Os negativos eram em lâminas de vidro que necessitavam um cuidado especial com o manuseio para não deixa-los cair , pois se não, tudo estava perdido.
Ainda muito pequena ajudava a minha mãe a lavar os retratos, passar um pano limpo enxugando e espalhando centenas deles pelas mesas, camas e parapeitos do quintal. A foto para ter duração tinha que ser bem lavada retirando bem o fixador em água corrente no nosso banheiro, onde ficavam mergulhadas na banheira horas a fio. E a água do Crato era de primeira qualidade, sem cloro, razão porque duravam tanto. E haja água !
O local da revelação chamava-se quarto escuro. Lá sob uma luzinha vermelha começava todo o processo da revelação. Primeiro o negativo já retocado era colocado na ampliadora e projectado na bancada sobre o papel virgem do tamanho desejado. Ajustado o foco, seguindo sempre o brilho dos olhos, eram contados o tempo de exposição da imagem.
_ Hum, dois, três, quatro...
E pronto ! Hora de mergulhar na banheira de Ágata o papel exposto e com uma pinça se movimentava para lá e pra cá e como uma mágica a imagem ia surgindo até dar a nitidez por completo. Tudo a olho vivo, sem ser claro demais ou escuro demais, no ponto. Saindo da banheira do revelador era mergulhada imediatamente no fixador para depois ser molhada por água e passava então lavagem final, a do chuveiro.
Lembro do processo do retoque que começava primeiro no negativo que nesta época já era de celiloide. Com um lápis preto de ponta longa e fina, minha mãe ia cobrindo delicadamente os pontinhos aqui e ali para corrigir as imperfeições como manhas da pele, espinhas, rugas, e sinais indesejados. Depois eram acentuados os contornos dos olhos, sobrancelhas, cílios, nariz, boca, cabelos, roupas e enfeites. Era um trabalho minucioso e lento que levava horas para terminar sentada numa bancada com o vidro coberto por papel preto que ficava aberto somente o espaço do negativo e se fazia o retoque contra luz. Portanto somente durante o dia se podia retocar. Depois de retocado, era feita uma cópia que chamavam de prova, e só assim o cliente poderia dar a permissão para copiar ou não as poses escolhidas.
Tudo muito diferente dos tempos atuais em que já não são tão necessários os fotógrafos profissionais a não ser em ocasiões como: casamentos e formaturas. Hoje cada um tem a sua câmera ou celular e clicam tudo que veem pela frente e até a si próprios, com os braços esticados num sorriso estudado sempre de lado feito papagaio olhando pra quenga, como dizia meu avô.
Não precisam de filmes e, tampouco, revelações, pois as fotos são passadas para o computador pelo cabo e postadas nos álbuns virtuais como, orkut, facebook, twitter, sites e blogs, ou mesmo num pendrive ou CD. Se quiser uma cópia, imprime na impressora ou manda fazer em alguns minutos por pouco mais de alguns reais.
O trabalho do retoque é feito pelo programa chamado de Photoshop. Lá mudam as cores, alinham as bordas, tira brilho bota brilho, arruma o cabelo, retira as espinha e manchas deixando a cara lisinha e renovada. Mas mesmo com todos esses recursos é preciso ter arte para executar o programa. Pois existe cada retoque por aí que até deforma os rostos de tanto alisado. Umas verdadeiras cirurgias plásticas feitas por um falso Pitangi ou deformações com caras de bonecos tipo Michael Jackson.
Certa vez, meu avô retocava uma prova no capricho pois a retratada era feia pra burro. Cabelos manchados e emaranhados, muitas rugas, vermelhidão pelo rosto inteiro, espinhas carnais e toda embombada, sem falar no narigão de pimentão. Primeiro ele passou o verniz feito com álcool e pó de breu comprado lá em Seu Abidoral e o curioso é que todos fugiam da compra pela maneira difícil de se pedir o produto no balcão. Vejam só....
Vovô pacientemente dava mais uns retoques finais enquanto a feia figura esperava para ver o retrato se achando a própria. Mal ele passou a foto às suas mãos dela, ela foi logo dizendo bem alto:
_ Tá horrível !
Ele rapidamente tomou o retrato de volta e passou um algodão encharcado do verniz removendo tudo que tinha feito e disse :
_ Horrível está é agora !
_ Você é assim, sua cara de jaca amassada.
_ Vá bater seu retrato em outro canto !
Edilma Rocha
8 comentários:
Quando não existia , existia os Saraiva !
Interessante o teu texto , como memória histórica, inclusive !
Abraços peixinha Saraiva !
Edilma
Gostei demais do texto e da "modelo" (rindo demais aqui).
Bem que nossa conversa rendeu frutos. Você me contando e eu bolando de rir...
Ficou legal demais, sobretudo porque você conta com propriedade o processo de revelação que acontecia à sua frente e com sua participação...
Agora digo como Socorro: "foi boa" - e acrescento: demais!!!!
Abraço,
Claude
Edilma, sua postagem é ótima e vou tomar a liberdade de levá-la lá para o OLHARES DO CARIRI, porque isto faz parte da História da Fotografia no Cariri.
Um grande abraço,
Dihelson Mendonça
Prezada Edilma
Gostei muito do seu texto, pois não imaginava o quanto era difícil o preparo e a revelação de uma fotografia.
Dona Telma tem um dom todo especial. Fazia milagres. Imagine que tem uma foto minha que ela preparou em cores, há mais de 30 anos, que ficou excelente. Mas eu passei quase uma hora no Studio dando muito trabalho a ela para e me enquadrar. Ao final, comentei: “como os modelos fotográficos sofrem...” E ela respondeu: “Não, eles se colocam na postura certa.”
Socorro,
A diferença entre essas fotos de hoje é muito grande e a duração também. Com qualquer exposição à luz desmaiam depressa. Quase que descartáveis...
Bom dia !
Claude,
Você lembra que papai ensinou a seu pai revelar fotografias... Por isso temos tantos registros ao longo dos anos.
Cuidado com o seu programa de fhotoshop... Ele as vezes é cruel !
Bom dia !
Dihelson,
Esteja à vontade, o texto pertence a todos.
A fotografia na nossa cidade fez muitas histórias...
Bom dia!
Carlos Eduardo,
Descobrimos ao longo do tempo que o grande segredo da duração das fotos feitas no Crato, se devia a água das nossas nascentes, pura, sem cloro. E também a qualidade do papel importado Ectalure que não existe mais; a tinta Mashal americana própria para colorir; e a excelente fotógrafa Telma Saraiva com o justo reconhecimento.
Guarde muito bem a sua foto pois seus descendentes vão possuí-las por muito tempo.
obrigada pela atenção na leitura do meu texto com um pouco de humor, para não cansar...
Tenha um bom dia !
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