Querida amiga Socorro.
Hoje desci para o jardim. A noite estava silenciosa com pouco movimento na rua. Algumas nuvens se juntam com prenúncio de chuva. Noites de setembro em Recife. O tempo mudou por essas bandas. Antes o início do período de praia tinha início no dia 7 de Setembro. Abertura do verão! As mudanças climáticas transformaram essa paisagem. Hoje a tarde choveu e já estamos no dia 21 de setembro. Recordo-me que na manhã do dia da Pátria combinávamos nos encontrar no Derby. Calção por baixo da bermuda, chinela japonesa alguns trocados no bolso para um sanduíche e um refrigerante e a sagrada carteira de estudante. À época era franqueado o acesso gratuito dos estudantes pela porta dianteira. Ônibus elétricos que eu achava o máximo e que integrados ao charme das ruas e avenidas configuravam mais um cartão postal do velho Recife. Cidade tranqüila, sem a violência e a barbárie de hoje. Não, não pense que foi na década de 30 ou 50. Não faz muito tempo assim, nem sou tão velho assim. Corriam os anos de final da década de setenta e início dos anos oitenta. Décadas de ouro para nós rapazes e moças aqui. Retomando a narrativa, nos reuníamos no Derby. A turma do Crato que morava em “repúblicas” circunvizinhas marcava naquela tradicional praça o ponto de encontro. Casas ou apartamentos com 4, 6 ou até mais estudantes. Esse convívio merece um capítulo a parte. Nós gostávamos de assistir a “parada de 7 de Setembro. Aliás eu sempre gostei e até aspirei entrar para a carreira militar. Esse sonho se desfez totalmente com o golpe militar de 64. Terminada a parada pegávamos um ônibus para a praia de boa viagem. Daí era lagartear ao sol, conversar sobre tudo e todas, um belo banho sem o perigo de tubarões para atazanar o juízo. Olhar as meninas de biquíni ou de maiôs que passeavam pela areia atiçando a libido dos pobres escoteiros do mar. Era o melhor daquelas manhãs. Quando a fome apertava, corríamos para o tradicional cachorro quente e um refrigerante. Saciada a fome, batíamos uma pelada e lá para as 14h nos molhávamos com uma mangueira com água usada pelo pessoal do vôlei de praia e voltávamos para nossas repúblicas. Á noite, quem tinha namorada ia pra casa da amada e além dos beijos e abraços ganhava ainda por cima, um lanche. Os outros se reuniam pra tocar violão e bater papo com a turma do edifício. Nessas reuniões havia a possibilidade de surgir uma paquera. E assim transcorria a nossa vida de estudante. Uma das passagens interessante nas repúblicas era a chegada das caixas de “merenda” , o suprimento que as mães solícitas e preocupadas com seus “anjinhos” enviava pela Viação Princesa do Agreste que nós apelidamos de “Tristeza da Peste”. Era uma alegria! Dias de fartura, mas quando acabava, e acabava rápido, vinha os dias de pão e água. Em uma dessas repúblicas, salvo engano no Edifício Mônica, resolvemos criar uma comunidade solidária. Administração centralizada e socialista das merendas.
Até que deu certo! Cada mês havia eleição para um síndico que tinha a incumbência de administrar o caixa da merenda, dos víveres do café e o jantar. O racha do aluguel e condomínio. Todos aprenderam a ferro e fogo e muita confusão os princípios da administração pública! Vida boa, de muita camaradagem e muitas prezepadas. As festas nas repúblicas marcavam momento de grande prazer. Encontro de amigos e principalmente das amigas do Crato que traziam suas amigas pernambucanas para um “assustado”. Aí ficava parecido com o título do filme: “O pecado mora ao lado”. Eu sempre me dava bem, pois tinha uma lábia que “derrubava avião” como diziam os colegas. E era o “ajeitador” oficial de namoro. Cargo honorífico que me acompanhou da terrinha até o exílio em terras pernambucanas. Mas havia também momentos de tristeza quando batia a saudade de casa, dos pais, amigos que ficaram e da vida tranqüila do nosso pé de serra. Melancolia. O jeito era ir dançar no Clube dos Oficias da PM ou no tradicional Clube Internacional e Português do Recife que promoviam bailes aos e sábados e domingos. Numa dessas festas fomos ao Clube Náutico Capibaribe, clube de elite, chio das coisas. A partir desse baile nasceu minha paixão pelo Alvirrubro da Rosa e Silva. Foi amor a primeira vista. Quem me abduziu foi uma loira torcedora timbu com quem dancei a noite inteira. Terminei namorando a galega e fomos a uns jogos juntos. A loira se foi, mas o Alvirrubro Timbu me enlouquece até hoje. Só sabe dessa paixão quem veste esse manto sagrado. São tantas histórias que termino por escrever um livro. Quem sabe ?
2 comentários:
Muito bem, Nilo. Narrativa de identificação quase geral. Também tenho histórias no Recife, que nunca deixou de ser teu.Só falta você voltar para o Crato...
Qualquer hora volto pra te contar minhas passagens pelas pontes do Beberibe.
Um grande abraço.
Que bom Socorro, quero ouvir essas histórias que são tão coincidentes.
Dia 26 deste mês reuniremos dois punhados de Cratenses aqui em casa para ouvir histórias, rir, lembrar fatos e fotos e papo sério também.
Seremos: Stela, Tiago Araripe, Neide, Joaquim, Zé Almino, Evererdo Norões,Syme, Yasmine, Dulce Carvalho e Xico Bezerra. Ficam convidados Cleude Bloc e Socorro Moreira...aceita o desafio?
beijo
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